Entrevista com:
Dr. Pedro Costa
P.: O ombro é das articulações que mais sofre de lesões por esforços repetitivos. Pode resumir-nos o que é que na mecânica desta articulação a torna tão susceptível a este tipo de lesão?
Há , de facto, várias características desta articulação
que a tornam particularmente susceptível de sofrer tantas lesões. Em primeiro
lugar o ombro é a articulação do nosso corpo com mais mobilidade. A sua
anatomia permite um enorme arco de movimento em várias direcções o que possibilita o posicionamento da mão no
espaço e a realização de tarefas que, por este motivo, só são possíveis à
espécie humana. Esta grande mobilidade leva, por exemplo, aos problemas de
instabilidade muito frequentes no desporto. Em segundo lugar, o ombro apresenta
vários espaços “de deslizamento” entre osso e tendões. É o caso do espaço
sub-acromial entre o osso acrómio e o tendão do músculo supra-espinhoso. Com os
movimentos repetitivos em posições
extremas, devido à profissão ou desporto praticado, surge o “conflitosub-acromial” em que há uma inflamação e/ou desgaste do tendão por contacto
repetitivo com o osso. Isto leva à
inflamação (a conhecida “tendinite”) e mesmo à ruptura dos tendões. Por último,
somos cada vez mais activos até uma idade mais avançada o que leva a um
desgaste natural dos músculos e tendões. Assim, enquanto na anca ou no joelho,
como são articulações de carga, surge a artrose por desgaste da cartilagem, no
ombro aparecem com muita frequência rupturas “degenerativas” dos tendões por
fadiga.
P.: O que pode ser feito como prevenção para evitar o desgaste dos componentes articulares, sobretudo em pessoas com tarefas laborais ou desportivas repetitivas?
Na prevenção das lesões do ombro é essencial manter um bom
equilíbrio muscular. Como o ombro tem músculos e tendões que “puxam” em várias
direcções, é frequente surgirem desiquilíbrios por predominância de uns grupos
musculares sobre outros devido às tarefas repetitivas do trabalho ou desporto
praticado. Assim, é muito importante a compensação dos músculos e tendões menos
trabalhados para evitar as situações de instabilidade ou conflito de que falei
anteriormente. Depois é também importante “respeitar” a dor quando ela surge e
saber que ela é efectivamente um sinal de alarme, que algo vai mal e que é
preciso investigar para se poder tratar em tempo útil e não deixar avançar uma
eventual lesão.
P.: Depois de só a artroscopia ser solução, o que espera o paciente logo após a cirurgia? Pode dar-nos alguns prognósticos de reabilitação médios para diferentes intervenções por artroscopia nesta articulação?
Actualmente o tratamento cirúrgico das lesões do ombro é
praticamente todo efectuado por artroscopia. À excepção das artroplastias por
artrose e das fracturas, todas as reparações tendinosas e ligamentares são
efectuadas por artroscopia. Esta técnica permite uma cirurgia muito mais
anatómica e de recuperação muito mais rápida. Mesmo assim, a cicatrização
demora muito e é frequente uma paragem prolongada depois de uma cirurgia ao
ombro. Para dar alguns exemplos, depois de uma reparação de uma instabilidade é
necessário estar 3 meses sem praticar desporto e depois de uma reparação dos
tendões da coifa dos rotadores são necessários de 3 a 6 meses para recuperar um
ombro normal. No entanto, é importante ter a noção de que com as técnicas
cirúrgicas actuais e com a recuperação adequada e bem acompanhada é possível e
frequente a recuperação a 100% para o trabalho e desporto.
P.: Para terminar, algum novo projecto de investigação na calha? Ou sugestão de temas que pensa serem interessantes investigar no futuro?
Actualmente o “projecto” que tenho passa mais pela
tentativa de aproximação entre os vários intervenientes no tratamento das
lesões do ombro. Tem havido uma sub-especialização progressiva dentro da
Ortopedia Geral no sentido de nos dedicarmos a uma só articulação. No meu caso,
senti esta necessidade ao terminar a especialidade e fiz uma sub-especialização
em Ombro durante 1 ano em Lyon, França em 2003. Desde aí que me tenho dedicado
só ao estudo e tratamento da patologia do ombro. Com esta evolução e com a
ajuda da tecnologia, a cirurgia do ombro evoluiu muito nos últimos anos e
consequentemente melhoraram muito os resultados obtidos nos doentes que
tratamos. Julgo que há actualmente a necessidade de aproximação entre o médico
assistente, o médico fisiatra, o fisioterapeuta que acompanha e trata o doente
e o cirurgião do ombro para que todos falem a “mesma língua” e se possa
optimizar o tratamento destas lesões do ombro que são frequentemente tão incapacitantes mas que têm, hoje em dia, a
possibilidade de recuperação total.
Nesse sentido tenho
organizado com alguma frequência reuniões e cursos para médicos de MGF e para
fisioterapeutas onde discutimos o que fazemos e as várias vertentes e
possibilidades de tratamento das lesões do ombro. A próxima está já programada
para Outubro/2013 e deixo aqui o convite e o desafio a quem lida com o Ombro
para comparecer e partilhar a sua experiência e abordagem no tratamento destas
lesões.
Pedro Costa
Médico Ortopedista, especialista em lesões do ombro
Membro da:
Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
Sociedade Portuguesa de Artroscopia e Traumatologia Desportiva
Secção do Ombro da Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
SECEC - Sociedade Europeia de Cirurgia do Ombro e Cotovelo