Depois das dores na
coluna, as dores no ombro são a queixa mais comum relacionada com a sistema
osteomuscular. Há evidências de que a dor no ombro é frequentemente recorrente
e persistente.
O diagnóstico diferencial entre disfunções do ombro e disfunções
da cervical que causam dor no ombro é importante não só para estudos
epidemiológicos, mas também para melhorar o tratamento direcionado e o respetivo prognóstico.
No entanto os testes
clínicos para fazer um diagnóstico no ombro não têm bons níveis de
confiabilidade ou validade e, para além disso, o valor dos exames de imagem é
questionável, comummente se vêm ruturas na coifa dos rotadores que são completamente assintomáticas.
Por isso, tem-se
recomendado que estes rótulos diagnósticos sejam abandonados, e, ao invés, os pacientes
sejam classificados de acordo com a resposta ao tratamento e às características
clínicas comuns.
O Método McKenzie de
Diagnóstico e Terapia Mecânica (MDT) utiliza a postura e movimentos repetidos
próximos do final da amplitude de movimento, enquanto monitoriza os sintomas e
respostas mecânicas, para classificar os pacientes em uma de três síndromes
mecânicas: desarranjo, disfunção ou síndrome postural, ou “outro” se não se
encaixa nas definições operacionais de uma das síndromes mecânicas.
A fiabilidade do
sistema McKenzie tem sido considerada como moderada a boa para os problemas da
coluna vertebral e a validade de prognóstico apresenta altos níveis de
confiabilidade.
O objetivo deste estudo
de caso é demonstrar como um paciente com, aparentemente, um problema no ombro,
quando avaliado através do método MDT, respondeu a movimentos repetidos na
coluna cervical.
Apresentação de caso clínico
- Um paciente do sexo masculino de 47 anos de idade foi encaminhado pelo seu médico de família com um histórico de 4 meses de dor intermitente no ombro esquerdo que tinha vindo a melhorar, mas ainda havia dor consistente na elevação do ombro a mais de 90º, pior com abdução do que com flexão. Tinha sido o primeiro episódio do género e os sintomas começaram sem motivo aparente.
- O paciente trabalhava como técnico de ar condicionado. A única atividade de lazer era assistir televisão, cerca 4h todas as noites, “relaxado” no sofá.
- A sua única limitação funcional era levantar pesos moderados a pesados devido à dor no ombro.
- Na primeira avaliação foram obtidos os seguintes resultados: 4/22 na Shoulder Disability Score; 45/60 na Oxford Shoulder function score; 5/10 na escala visual analógica.
- Os sintomas eram piores à noite e ao levantar pesos e aliviavam com o repouso, spray analgésico e compressas quentes.
- Uma RM recente relatou uma rutura completa do tendão subescapular, uma hipertrofia e alterações císticas no troquino, espessamento dos tecidos moles com sinovite no intervalo da coifa dos rotadores, tendinose do infra e supra-espinhoso com alterações atróficas no infraespinhoso.
- Na avaliação física o paciente apresentava uma má postura em sentado e em pé, com uma lordose excessiva da coluna lombar, cabeça projectada para a frente e ombros rodados à frente.
- Apresentava amplitude de movimento completa, ativa e passiva, de flexão do ombro, abdução e rotação medial e lateral. Na abdução e flexão para além de 90º houve dor, assim como na rotação medial e lateral, embora menor e só no final de amplitude. A Abdução ativa foi o movimento mais sintomático. A força estava preservada.
- Foram testados movimentos repetidos em posição vertical para verificar se existia um padrão consistente que reproduzisse os sintomas. Como a abdução ativa foi a mais sintomática foi primeira a ser testada.
- Duas séries de 10 repetições produziram dor que se manteve após o teste. A flexão repetida aumentou ainda mais os sintomas, que se mantiveram piores. Não foi encontrado nenhum movimento que diminuísse os sintomas, nem houve qualquer mudança no padrão da dor.
- Era nesta fase claro que os sintomas eram afectados pela carga, mas nenhum padrão claro foi encontrado e o padrão de dor não podia ser classificado em qualquer das síndromes mecânicas de MDT nesta fase.
- Na avaliação seguinte foi testada a coluna cervical. Para permitir uma maior amplitude de movimento foi demonstrado ao paciente como restaurar a lordose lombar e retrair a cabeça. Esta posição aboliu os sintomas agravados pelo teste de movimento repetido do ombro. O teste inicial da cervical mostrou uma perda moderada de retração e extensão, mas sem perda de quaisquer outros movimentos cervicais.
- Na cervical não houve sintomas antes do teste de movimentos repetidos. A protração repetida da cervical produziu a dor no ombro, que se manteve pior depois do teste. A retração repetida aboliu a dor no ombro, e ao final de mais repetições a dor durante a abdução desapareceu, o que demonstrou uma preferência direccional na coluna cervical.
Tratamento
- A classificação
provisória foi desarranjo cervical. O paciente foi educado no sentido de manter
uma boa postura, com a utilização de um rolo lombar, e foi convidado a realizar
repetições de 10-12 retrações a cada hora, evitando também posturas
provocativas.
- Vinte e quatro horas mais tarde, o paciente confirmou a realização dos exercícios. Relatou que não sentia dor com o movimento do ombro além dos 90º, mas para além dos 120º tinha uma dor 5/10, mas que desaparecia após o exercício.
- Após retração repetida com sobrepressão por parte do paciente a dor na abdução para além dos 120º era 2/10. A classificação de desarranjo cervical foi assim confirmada.
- Na avaliação seguinte, 48h depois, havia dor mínima no final de amplitude de abdução. Assim, foi introduzida a retracção e extensão cervical.
- Após 10 dias, os resultados foram avaliados por outro fisioterapeuta que não havia sido envolvido no tratamento: 0/22 na Shoulder Disability Score; 55/60 na Oxford Shoulder function score; 0/10 na escala visual analógica.
- O paciente relatou estar satisfeito e, durante os últimos 10 dias, tinha levantado pesos sem dor. Não houve sintomas em repouso, nem durante o movimento.
- O paciente foi orientado a prosseguir com as retrações repetidas, incluindo extensão da cervical até ao final de amplitude de movimento.
- O follow up seguinte foi feito por telefone, depois de um mês, e o paciente encontrava-se assintomático naquele momento. No último follow up, um ano depois da primeira avaliação, o paciente mantinha-se assintomático, mas continuou a fazer os exercícios em alturas em que sentiu maior rigidez ou desconforto.
Conclusão
Este estudo de caso
destaca a importância de diferenciar dor no ombro que tem origem no ombro de
dor referida com origem na cervical. Este estudo suporta ainda a utilidade
clínica da avaliação segundo McKenzie como uma abordagem para fazer este
diagnóstico diferencial e respetivo tratamento
Menon A, May S. Shoulder pain: differential diagnosis with mechanical diagnosis and therapy extremity assessment - a case report. Man Ther. 2013 Aug;18(4):354-7.