A composição da articulação acromioclavicular vai sofrendo alterações ao
longo do tempo: durante a segunda década de vida, a cartilagem adquire uma
matriz mais fibrocartilaginosa. Por volta dos 40 o disco fibrocartilaginoso
intra-articular degenera tornando-o uma estrutura muito pouco funcional.
A discussão sobre as lesões nos ligamentos desta articulação remonta aos
escritos de Hipócrates, onde este propôs que este tipo de lesões não resultaria
em danos significativos. Em muitos aspectos, pouco mudou nestes 2400 anos.
Em 1990, Rockwood sugeriu um esquema de classificação primária, que define
a gravidade da lesão em relação à estrutura específica afectada:
- Rockwood Tipo I. ruptura parcial do ligamento acromioclavicular.
- Rockwood Tipo II. rutura total do ligamento acromiclavicular e rutura parcial dos ligamentos coracoclaviculares.
- Rockwood Tipo III. rutura total do ligamento acromiclavicular e dos ligamentos coracoclaviculares. Provoca deslocação dos segmentos (uma luxação), resultando numa alteração visível do ombro. Rockwood acrescentou variações específicas do tipo III, como IV, V e VI, dependendo do grau de deslocamento da clavícula.
O objectivo deste estudo de caso é descrever o tratamento agudo de um
caso clássico de lesão tipo III.
Apresentação do caso clínico
- Homem, 61 anos, mão direita dominante, estava a jogar ténis no momento da lesão.
- Na queda o seu ombro direito suportou todo o peso do corpo contra o chão. Apesar de ter jogado mais dois pontos, acabou por ficar incapaz de elevar o ombro para realizar um movimento de servir.
- O sujeito tinha sofrido uma lesão acromioclavicular de grau II quatro décadas antes.
- Após sofrer a lesão actual o paciente era capaz de palpar o topo articular da clavícula livremente posicionado, e observava-se o sinal de cabide, consistente com uma lesão de grau III.
- Aplicou gelo durante toda a noite e tentou dormir numa cadeira com o braço apoiado. Na manhã seguinte foi a um ortopedista. De imediato foi utilizado um sling para minimizar o desconforto na posição de repouso.
- A sua apresentação era clássica de uma lesão AC comum, com perda óbvia de contorno normal e descida significativa do complexo glenumeral fazendo aparecer a clavícula significativamente elevada. No entanto o ortopedista falou na necessidade de uma RM e na possibilidade da cirurgia.
- Não sendo a sua primeira opção, o sujeito consultou o fisioterapeuta, que
falou na necessidade de um raio-X para confirmar o diagnóstico de lesão grau
III.
- Neste ponto, o médico assistente pediu e analisou estudo radiográfico,
que não demonstrou qualquer lesão óssea, concordando com o diagnóstico de lesão
Rockwood tipo III.
Para este tipo de lesão existem dois tipos de cirurgia (descritas pelas
fotos)
E o tratamento conservador.
Durante os últimos 20 anos, foram efectuados numerosos estudos que compararam
os resultados destas duas abordagens, não observando nenhuma diferença entre
eles. Aliás, um dos estudos analisados indicava melhores resultados no curto
prazo com o tratamento conservador.
Tratamento
Embora a deslocação fosse significativa e evidente (Figuras 3 e 5), e já
houvesse artrite significativa da articulação, a literatura não suporta a reparação
precoce como sendo melhor do que qualquer posterior reconstrução, se a
instabilidade se mantiver a longo prazo após tratamento conservador.
- Assim, o paciente começou a utilizar um sling de suporte e de fixação do antebraço para o tronco (Figura 10) e recebeu medicamentos analgésicos.
- A indicação foi para usar o sling tanto quanto possível, mas poderia removê-lo para tomar banho, devendo apoiar o braço o mais possível, como mostrado na Figura 4. Deveria encontrar também a melhor posição para dormir.
- Devia aplicar gelo, quanto mais vezes melhor, sendo o ideal períodos de 20 minutos de 2 em 2 horas.
- Apesar da ligadura de tape ser muitas vezes utilizada, uma vez que os ligamentos coracoclaviculares foram completamente rompidos e a articulação já apresentava artrite, não se optou por esta solução, nem pelo colete rígido, evitando lesão da pele e pressão adicional sobre a articulação.
- O paciente descobriu que dormir numa cadeira reclinada dava mais conforto ao braço, e ao terceiro dia após a lesão encontrou uma posição em que conseguia escrever com o braço bem apoiado.
- Após uma semana de sling foram iniciados movimentos cuidadosos abaixo de 90º de elevação. O paciente começou a dormir na sua cama.
- Começou a utilizar o sling mais solto e a fazer movimentos de controlo escapular todas as horas.
- Durante as três semanas seguintes, deu-se uma lenta progressão das atividades. Tomar banho ainda era difícil, e a extensão e rotação interna combinados davam uma sensação de choque como resposta.
- Na 3ª semana começou a conseguir dormir de lado e atingiu a amplitude de movimento completa. No entanto, permanecia a sensibilidade no final da elevação, bem como nos movimentos combinados de rotação interna e de extensão.
- Foi capaz de balançar o taco de golfe sem desconforto durante a quinta semana.
- Embora permanecesse obvia a deformação, apenas persistiam pequenas crepitações ou irritação. Esporadicamente o ombro ficava mais sensível, principalmente depois de várias horas a digitar ou de trabalho mais pesado da extremidade superior.
Conclusões
Embora o tratamento para lesões Rockwood Tipo III possa ser um tanto
controverso, a literatura predominante suporta a gestão não-operatória. Se o
paciente não estiver satisfeito com a sua função e/ou aparência após 3-6 meses,
a reconstrução cirúrgica pode ser realizada com abordagens mais recentes
focadas na restauração anatómica.
Neste paciente, a imobilização precoce para o conforto, atividades
funcionais iniciais limitada a menos de 90º, seguidas de padrões funcionais na
terceira semana significaram um rápido retorno à amplitude completa de movimento
e atividade. O raio-X pode ser suficiente na maioria das lesões para delinear o
grau ou tipo de lesão e o tratamento a seguir.
Terry Malone, ACUTE MANAGEMENT CONCEPTS OF THE ACROMIOCLAVICULAR JOINT: A CASE REPORT. Int J Sports Phys Ther. 2012 October; 7(5): 558–564.