Entrevista com:
Fisioterapeuta Nuno Duarte
P.: É do conhecimento geral que tanto a doença oncológica em si como os próprios tratamentos para essa doença deixam sequelas no corpo do paciente. Em que condições oncológicas é mais frequente a intervenção do fisioterapeuta para debelar essas sequelas, e através de que tipo de técnicas?
Em primeiro lugar é urgente que se
desmitifique a intervenção em oncologia. Ao longo dos anos houve sempre a noção
que na área da fisioterapia nada se podia fazer ao doente oncológico, que tudo
seria contra-indicado... O que na realidade, está longe de ser verdade.
Actualmente existe um êxito enorme na luta contra o cancro, conseguindo-se em
muitos casos a cura e noutros um aumento de longevidade com uma boa qualidade
de vida.
Nos últimos anos, um dos grandes objectivos da prestação de cuidados
ao doente oncológico, a sobrevivência, foi largamente atingido, levando a que o
nº de sobreviventes tenha aumentado progressivamente, levando a que os
profissionais de saúde se foquem noutro objectivo, a qualidade de vida. Penso
que os fisioterapeutas serão um elemento imprescindível a uma equipa que se
preocupe com a QdV do doente oncológico. Este será o grande contributo do
fisioterapeuta ao doente oncológico, promover a sua QdV.
A nossa intervenção em
oncologia é feita em áreas muito diversificadas, como a neurológica, ortopédica, vascular,
respiratória, pediatria… As técnicas utilizadas serão as mesmas de outras áreas
de intervenção, no entanto, torna-se imprescindível que o fisioterapeuta tenha
conhecimentos na área da oncologia que permitam ponderar a selecção e aplicação
dessas mesmas técnicas. Penso que o fisioterapeuta só poderá ter um desempenho
satisfatório em oncologia, caso tenha conhecimento sobre: efeitos das terapias
oncológicas (cirurgia, RT, QT, HT, IT), estado emocional do doente oncológico,
sinais/sintomas das principais metástases, dor oncológica.
Será sempre
necessário, à semelhança do que acontece noutras áreas de intervenção, que o
fisioterapeuta tenha bom senso no decorrer da sua intervenção, que tenha a
capacidade de adaptar a sua intervenção às mudanças, por vezes repentinas, do
estado clinico do doente oncológico. Esta capacidade não é conseguida apenas
com conhecimento teórico, será necessário que exista sensibilidade, uma
preocupação constante com o doente, de forma a que seja possível antecipar
cenários. Por essa razão, na minha opinião, existem pessoas com um perfil ideal
para trabalhar em oncologia, outras vão adquirindo esse mesmo perfil e, alguns
nunca chegam a adquiri-lo.
O cancro da mama representa o principal grupo de doentes (em
número) num Serviço de oncologia e é sem dúvida, provavelmente, a patologia
oncológica com maior impacto na opinião pública. A sua pergunta não permite uma
resposta curta, pois dependerá sempre do tipo de terapias oncológicas a que o
doente será submetido. Vou responder partindo do princípio que estamos a falar
de mulheres submetidas a cirurgias com esvaziamento ganglionar axilar
(actualmente existe um nº crescente de mulheres submetidas a cirurgias apenas
com biópsia do gânglio sentinela).
Neste grupo específico, após a cirurgia, as
doentes passam a estar inseridas num grupo de risco, quero dizer, passam a ter
uma probabilidade acrescida de desenvolver um linfedema/infecções
subcutâneas. Este risco permanece ao longo da vida da pessoa e poderá ser
potenciado pelas restantes terapias oncológicas e pelo capital linfático (nº de
estruturas linfáticas, qualidade da função linfática) de cada pessoa.
Existem
várias formas de abordagem, no entanto, existem linhas de orientação, a nível
internacional, pelas quais guiamos a nossa intervenção. No caso específico do
IPO de Lisboa, iniciamos a nossa intervenção 24 horas após a cirurgia. Nesta
fase são dadas algumas informações (verbalmente e por escrito*) sobre a
prevenção do linfedema (evitar efeitos de garrote, fontes de calor, esforços muito repetidos, pesos para além de 2Kg…) e de infecções subcutâneas (hidratação
diária do membro, proteger-se sempre que exista perigo de corte/picada,
desinfectar qualquer tipo de ferimento…). Iniciamos também um programa de
exercícios que terão em conta a presença de drenos e/ou pontos.
Aproximadamente
3 a 4 semanas após a cirurgia, geralmente numa fase em que as pequenas
complicações pós cirúrgicas (linforreia abundante, seroma, deiscência…) estão
resolvidas, iniciamos um tratamento no nosso Serviço. Inicialmente o tratamento
é individual e dependerá sempre das complicações apresentadas (edema da mama/
parede, trombose dos linfáticos, aderências cicatriciais, diminuição da
amplitude muscular, dor, alterações de sensibilidade…).
Quando a doente já tem
amplitudes normais ou próximas do normal, inicia uma classe de movimento, com o
objectivo de aumentar a força muscular, a resistência ao esforço,
aumentar/manter amplitudes articulares, promover o convívio com outras
pacientes. O apoio por parte do fisioterapeuta dependerá sempre do protocolo de
terapias oncológicas a que a doente está a ser submetida. Importa referir que a
doente deve manter essa classe no decorrer da radioterapia.
As doentes, após a
alta, são reavaliadas periodicamente, contando com o apoio do nosso Serviço, ao
longo de toda a sua vida. Por exemplo, nós tratamos pessoas com linfedema, que
foram submetidas a cirurgia/RT há 40 anos atrás…A ideia é apoiar sempre que
necessário.
*Nota: Podem consultar todos os folhetos que o
IPOLFG disponibiliza aos seus doentes no site da instituição.
Não é fácil responder a essa questão. Na realidade o doente
oncológico, à semelhança de outros doentes, pode passar por diferentes fases de
adaptação à doença e, no nosso dia-a-dia, deparamo-nos com doentes que estão perfeitamente
lúcidos sobre a sua real condição e outros que aparentemente têm uma negação à
doença, mas em geral existe uma característica comum que passa por uma
capacidade enorme (por vezes inexplicável) de lutar, de aguentar todo o
trajecto de luta contra a doença. Sinceramente não me sinto confortável em
opinar sobre essa matéria, pois não seria justo divagar sobre algo (o que leva
as pessoas a não baixarem os braços) que na realidade desconheço…Pois as motivações,
provavelmente, variam de pessoa para pessoa.
A minha única palavra para com as pessoas que estão a viver essa
realidade é a de que felizmente nos últimos anos existiu um avanço enorme na
oncologia médica, que permite que as pessoas não pensem no cancro como um
sinónimo de “morte anunciada”, de algo contra o qual nada se pode fazer…A
realidade actual é bem diferente e a cura é uma realidade.
Nuno Miguel de Faria Bento Duarte
Fisioterapeuta, doutorando em Saúde Pública/ramo de Epidemiologia (ENSP/UNL).
- Fisioterapeuta Coordenador do Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Instituto
Português de Oncologia FG Lisboa
- Docente da Escola Superior de Saúde do Alcoitão (Fisioterapia em oncologia/Terapia Linfática Descongestiva).
- Docente convidado da Faculdade de Medicina de Hannover no projecto
“PoLyEurope Postgraduate Lymphology Training in Europe”.
- Representante da Ecole de Drainage Lymphatic Bruxelles / Methode
Leduc em Portugal.
- Formador em cursos na área de “Tratamento do edema / Fisioterapia no
cancro da mama”.
- Membro da Sociedade Europeia de Linfologia.
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