Malformação de Arnold-Chiari é um termo utilizado para
descrever deformidades da parte posterior do cérebro, caracterizada pela
projeção das amígdalas do cerebelo, medula e do quarto ventrículo, em
diferentes graus, através do forâmen magno para dentro do canal espinhal
cervical superior.
Apesar de quatro tipos de malformações de Arnold-Chiari
terem sido identificadas, com base na extensão da hérnia, os tipos 1 e 2 são as
mais comuns.
- Arnold-Chiari tipo 1. Resulta do subdesenvolvimento da fossa craniana posterior, do aumento do espaço relativo ocupado pelo tronco cerebral e pela herniação dos lobos cerebelares.
- Arnold-Chiari tipo 2. uma maior quantidade de tecido invade o canal espinal, com sinais e sintomas relacionados com mielomeningocelo.
A causa desta doença ainda é desconhecida, embora haja
estudos sobre a influência congénita com transmissão familiar por
herança autossómica recessiva ou herança autossómica dominante.
Dores de cabeça
são um sintoma clássico de malformação de Arnold-Chiari, particularmente
agravada pela tosse súbita, espirrar ou esticar o pescoço. No entanto, uma
série de outros sintomas também foram associados a esta condição, incluindo
- Dor na região cervical alta,
- Parestesias nas extremidades superiores,
- Papiledema,
- Vómitos,
- Distúrbios visuais (visão turva ou dupla),
- Falta de equilíbrio,
- Falta de habilidades motoras finas,
- Tonturas,
- Dificuldade em engolir,
- Fala arrastada,
- Zumbido,
- Disfunção da bexiga,
- Dor torácica,
- Apneia do sono e paralisia dos nervos cranianos.
Neste estudo os autores descrevem um caso de dor escapular crónica
secundária à malformação de Arnold-Chiari tipo 1.
Apresentação de caso
- Paciente de 38 anos, sexo feminino, auxiliar num lar de idosos
- História de dor escapular esquerda recorrente ao longo dos últimos quatro anos.
- Os sintomas surgem após uma variedade de atividades físicas no trabalho, nomeadamente inclinar-se para a frente, avançar com os dois braços para puxar ou empurrar um residente idoso.
- As investigações incluíram ultrassonografia do ombro esquerdo e radiografia simples em cinco ocasiões distintas, as quais foram relatadas como normais.
- Durante o período de quatro anos que tinha sido encaminhada para um médico do trabalho, que diagnosticou síndrome de dor miofascial, um ortopedista, reumatologista, fisioterapeuta e um psicólogo com nenhum benefício relatado.
- Participou de um programa de ginásio, o que agravou os sintomas, e uma injeção de anestésico e corticosteróide local na bursa subdeltóidea esquerda, mas sem resultado.
- Durante o período de quatro anos, teve várias tentativas frustradas de voltar ao trabalho em funções modificadas, e de cada vez sofreu um agravamento da sua dor escapular esquerda.
Na avaliação clínica, descreveu os sintomas da seguinte
forma:
- 1. Dor escapular esquerda, ocorre de forma intermitente, focada sobre a face posterior do tórax esquerdo e escápula a partir do vértice da escápula em direcção ao trapézio superior e pelo lado esquerdo do pescoço. Esta varia de 2 a 8 na EVA, sendo que é pior ao acordar, depois de ter trabalhado na noite anterior. Agrava também em tarefas como puxar um idoso para si, ao tossir ou espirrar. Fatores que aliviam a dor incluem medicação para a dor, chuveiros e compressas quentes, e massagem.
- 2. Dor na coluna cervical esquerda, que é intermitente e atingiu o nível de 5-6 na EVA quando a dor escapular é mais forte. Este ponto de dor não está presente quando a dor escapular é menor.
- 3. Dores de cabeça, occipital e frontal, desde a idade de 27 anos, que eram intermitentes, mas ao nível de 8 na EVA quando no seu pior. As dores de cabeça ocorrem uma vez ou duas vezes por semana e duram até 12 horas de cada vez.
- 4. Formigueiro sobre o lado esquerdo da face durante os últimos nove meses, que é intermitente e só está presente quando a dor escapular esquerda está no seu pior.
- 5. Formigueiro intermitente em todos os dedos de ambas as mãos.
Exame físico
- Movimentos do ombro sem dor e sem perda de força muscular, com exceção da elevação resistida da cintura escapular esquerda, que se apresentava dolorosa e fraca.
- Movimentos ativos do ombro, cervical, e da coluna torácica, medida através de dois inclinómetros, estavam preservados e indolores, embora houvesse um relato de sensação de "cãibras musculares", no lado esquerdo do músculo grande dorsal durante a rotação torácica esquerda.
- Em testes neurológicos os reflexos dos membros superiores e inferiores estavam presentes e simétricos.
- Testes neurodinâmicos normais
- À palpação foi registada sensibilidade na região torácica sem evidência de pontos gatilho específicos.
- Em testes de movimento intervertebral acessório passivo não havia sensibilidade marcada à pressão vertebral central sobre os processos espinhosos entre T2 e T10 e entre C3 e C7.
- Testes para o desfiladeiro torácico foram normais.
- Em pé verificou-se uma postura de ligeira anteriorização da cabeça e uma cifose relativamente fixa na coluna torácica. Quando ambos os braços foram levantados acima da cabeça, com extensão do pescoço e uma leve extensão torácica, para replicar a postura de trabalho que teria agravado os sintomas, surgiram formigueiros fortes em ambas as mãos e tontura.
- Nos testes do protocolo para diagnóstico de insuficiência vertebrobasilar, o movimento combinado de rotação cervical completo para ambos os lados juntamente com extensão cervical resultou no aparecimento imediato de vertigem e tonturas.
Neste momento, foi contatado o médico de clínica geral da paciente.
A paciente foi encaminhada para uma ressonância magnética da
coluna cervical, que relatou: "existe um tipo de malformação de
Arnold-Chiari, com "hérnia " cerebelar para dentro do canal espinhal
cervical superior. As amígdalas cerebelosas estão deslocadas
inferiormente através do forâmen magno, estendendo pouco mais de 2 cm no canal
espinhal cervical superior. Existe alguma descida do tronco cerebral para
dentro do canal da coluna vertebral. (…) ".
Esta paciente passou para consulta de neurocirurgia,
resultando em redução cirúrgica da malformação e, posteriormente, quase
completa resolução dos seus sintomas.
Conclusões
Este caso ilustra a necessidade de ter tempo e concentração
suficientes para obter todas as informações relevantes durante a fase de
entrevista e anamnese antes de, e separadamente, realizar o exame físico. Isso
permitirá que o examinador consolide o raciocínio clínico, com especial
referência às bandeiras específicas e testes clínicos propostos a fim de
eliminar possíveis patologias, evitando falsos negativos.
É importante ser tão
preciso quanto possível, com as medições durante o exame e, em particular, a
interpretação de testes clínicos, de forma a evitar falsos positivos.
O protocolo para diagnóstico de insuficiência
vertebrobasilar deverá ser sempre considerado como um teste clínico de
segurança antes da terapia de manipulação. Este caso ilustra a sua aplicação,
na presença de uma malformação congénita grave que não foi detectada e foi a
causa de um conjunto de sintomas, os quais foram etiquetados como síndrome da dor miofascial em primeiro lugar.
Worth DR, Milanese S. Chiari Malformation Type I, presenting as scapulothoracic pain: a case report. Man Ther. 2012 Apr;17(2):172-4