domingo, 5 de outubro de 2014

Neuropatia diabética

A Diabetes Mellitus é uma das principais causas de mortalidade e morbilidade (devido ao atingimento micro e macrovascular dos orgãos alvo que condiciona multiplos internamentos e amputações) nos países desenvolvidos. Em Portugal, estima-se que a prevalência de diabetes na população geral ronde os 7.3% sendo na faixa etária dos 20-79 anos de 12.3%. A principal causa de polineuropatia periférica é a diabetes variando a sua prevalência entre 25-50%. A prevalência de polineuropatia distal periférica dolorosa (DPND) no doente com diabetes varia entre 3-26%.

A definição internacionalmente aceite para a polineuropatia diabética dolorosa (DPND) na prática clínica é "a presença de sintomas e/ou sinais de disfunção em doentes diabéticos após exclusão de outras causas para a dor".

A dor da neuropatia diabética apresenta características de dor neuropática, sendo esta definida pela International Association for Study of Pain (IASP) como uma "dor causada por uma doença ou lesão directa que afecta o sistema somatossensorial"; particularmente descrita como formigueiros, picadelas, queimadura na planta dos pés. Esta dor pode ser espontânea e/ou evocada com alodinia e hiperalgesia.

A fisiopatologia da DPND ainda não está totalmente esclarecida, embora a hiperglicemia sustentada crónica e as alterações metabólicas subjacentes pareçam estar na génese do desenvolvimento e progressão da neuropatia diabética.

Valores elevados de IMC (índice massa corporal) e tabagismo têm sido associados como factores independentes para a ocorrência de DPNDs.

Diagnóstico


O diagnóstico da neuropatia diabética dolorosa e não dolorosa é clínico com aplicação de questionários, nomeadamente o Instrumento de Rastreio da Neuropatia de Michigan (MNSI, neste momento em fase de validação para a população portuguesa), a Escala Visual Analógica (EVA) para avaliar a intensidade da dor (0-10), a escala LANSS para o diagnóstico de dor neuropática assim como avaliação da qualidade de vida do doente.

O MNSI de Michigan, é uma ferramenta de rastreio com uma parte inicial que consta na história clínica e uma segunda parte que corresponde ao exame físico incluindo:
1. inspeção dos pés, presença de calosidades, feridas, fissuras, infecção, alterações cutâneas nos pelos e unhas e presença de amputação de membros inferiores.
2. A avaliação semi-quantitativa através de:
2.1. Sensibilidade vibratória pela aplicação do diapasão de 128 Hz na falange distal do halux, bilateralmente. O doente deve ter os olhos fechados.
2.2. Reflexos no tornozelo
2.3. Aplicação do monofilamento de Semmes-Weinstein de 10 g.
Se o doente tiver queixas de dor neuropática acrescentam-se os seguintes testes:
1. toque na área dolorosa com algodão para pesquisa de alodinia (comparando bilateralmente e com área não dolorosa.
2. Aplicação da picada de agulha 22 gauge para avaliar a hiperalgesia.

Para além das análises clínicas básicas, a hemoglobina glicada deve ser avaliada trimestralmente. De igual forma, os diabéticos, não controlados, devem ter estudo eletrofisiológico com a velocidade de condução dos nervos dos membros inferiores. Os estudos de condução nervosa são recomendados porque são quantitativos, objectivos, reproductíveis e as suas alterações correlacionam-se com a alteração clínica, mesmo em fases subclinicas.

Como estudo das fibras nervosas tipo C há, cada vez mais, técnicas emergentes tais como a biopsia da pele e nervo sural; densidade das fibras nervosas intraepidérmicas por quantificação morfométrica; microscopia confocal da córnea (técnica não invasiva que detecta as pequenas fibras nervosas sensitivas da córnea e que se correlacionam com a gravidade da neuropatia diabética distal).

Tratamento


Apesar de tantas terapêuticas para o tratamento da neuropatia diabética (dolorosa e não dolorosa) o controlo dos valores da glicemia é o primeiro passo, assim como a dieta rigorosa de acordo com o esquema de antidiabéticos orais e/ou insulina.

Na neuropatia diabética não dolorosa é importante higiene criteriosa dos pés, de forma, a evitar as calosidades, fissuras e úlceras.

O tratamento farmacológico da NPD não é completamente satisfatório devido à ineficácia, efeitos laterais e baixa adesão do doente, sendo predominantemente utilizado no alívio sintomático da dor quando esta ocorre. Há poucos fármacos que actuem na causa subjacente ou na progressão da doença, sendo o ácido lipoico, por via intravenosa, um dos fármacos apontados com alguma eficácia em estudos randomizados e controlados (nível de evidência A) A sua eficácia por via oral não parece ser semelhante.

Na neuropatia diabética dolorosa os fármcos de primeira linha aprovados pela FDA e EMEA são a pregabalina e a duloxetina. Os antidepressivos triciclicos podem ser utilizados embora menos usados devido aos seus efeitos laterais e falta de eficácia, assim como os opioides, tramadol, lidocaina emplasttro a 5 % devendo-se ter em conta que estes doentes são polimedicados pelas suas co-morbilidades subjacentes.


Todavia, quer o diagnóstico quer o tratamento da dor nos doentes com neuropatia diabética é um grande desafio quer pela escassez de conhecimentos nos mecanismos fisiopatológicos quer pela ausência de fármacos eficazes no seu tratamento.


XX Curso pós graduado de endocrinologia, diabetes e metabolismo. 29-29 de Março de 2014, Arquivos de Medicina, vol 28sup mar/abr 2014

Sem comentários:

Enviar um comentário