domingo, 26 de outubro de 2014

Obesidade

A obesidade é uma das principais causas de morbilidade e mortalidade nos países desenvolvidos, sendo considerada um grave problema social e de saúde pública.

A chave no combate à obesidade reside na prevenção, mas um diagnóstico precoce e um tratamento eficaz e multidisciplinar pode evitar muitas das complicações associadas à mesma.

Diagnóstico


Para um bom diagnóstico é preciso uma história clínica descritiva e exame físico exaustivo.

Na história ponderal é importante referenciar a idade de início da obesidade, evolução do peso, o carácter estático ou dinâmico da curva de peso e as circunstâncias que motivaram o aumento de peso. Deve-se estar atento a existência de perturbações do comportamento alimentar, distúrbios psiquiátricos não diagnosticados e dependência de drogas ou álcool. É preciso avaliar a ingestão calórica, o contexto nutricional e os gastos energéticos. Doentes com antecedentes familiares de obesidade podem apontar para uma causa genética ou para comportamentos incorrectos partilhados.

O exame físico deverá ser direccionado na procura de sinais associadas a doenças que cursam com obesidade secundária (como são o hipotiroidismo, o síndrome de Cushing, o síndrome do ovário poliquístico ou o hipogonadismo) assim como sinais características de co-morbilidades associadas à obesidade (Diabetes mellitus tipo 2, hipertensão, dislipidemia, insuficiência cardíaca ou insuficiência respiratória). Devemos observar a existência, ou não, de acantose nigricans, hirsutismo, edemas periorbitários, fácies de lua cheia, pletora facial, estrias violáceas, hiperpigmentação cutânea, xantomas ou xantelasmas. Sinais de hipervolemia ou sinais de dificuldade respiratória podem alertar para a existência de complicações nestes doentes.

A avaliação da adiposidade global e regional vai ser definida pelo peso, estatura, índice de massa corporal (IMC), perímetro da cinta e da anca, pregas cutâneas, determinação indirecta da percentagem de massa gorda (fórmula de Deurenberg) e determinação directa do tecido adiposo por médio de tomografia computorizada, densitometria (DEXA) ou Ressonância magnética. Recentemente tem sido proposto o uso de estádios da obesidade baseado no impacto mecânico, metabólico e mental num continuum de agravamento progressivo.





O estudo analítico deverá incluir hemograma completo, perfil lipídico, bilirrubinas, transaminases e enzimas de colestase, creatinina e ureia, ionograma, cálcio total, fósforo, glicose, HbA1c e/ou prova tolerância à glicose oral, acido úrico, microalbuminúria, sumária de urina tipo 2. Em relação ao estudo hormonal, é preciso estudar a função tiroideia (TSH e T4 livre), peptídeo C, insulina, e cortisol livre urinário; em casos específicos deveremos dosear as gonadotrofinas (FSH e LH) e os esteróides sexuais (testosterona total, estradiol).
Sempre que a clínica justificar, deverão ser realizados outros exames complementares como electrocardiograma, ecografia abdonimo-pélvica, endoscopia digestiva alta, provas funcionais respiratórias ou polissonografia.

Tratamento


Na terapêutica da obesidade, um adequado plano alimentar e uma actividade física regular são os pontos fundamentais para conseguir um balanço energético negativo.
A restrição energética de 500 a 1000 Kcal/dia traz consigo uma perda ponderal de 0,5-1 Kg/semana o que equivale a 8-10% do peso corporal inicial num período de 6 meses. Já na distribuição dos macro-nutrientes dos diferentes tipos de dietas, existe uma grande controversa tanto na eficácia como na manutenção da perda de peso.

O que realmente foi demonstrado é que para um mesmo balanço calórico, a distribuição de macronutrientes não é essencial sempre que a adesão ao plano alimentar seja contínua. A actividade física como forma isolado de tratamento não parece ter um papel relevante na perda de peso, mesmo que tenha sido demonstrado o seu benefício na redução da resistência a insulina e redução dos factores de risco cardiovascular. O exercício físico aeróbico isotónico moderado é recomendado por contribuir em boa medida para um balanço energético negativo.

O tratamento farmacológico da obesidade está indicado em doentes obesos já submetidos a plano alimentar com um IMC>30 Kg/m2 ou IMC>27 Kg/m2 se apresentarem co-morbilidades associadas. A perda de peso conseguida com a terapêutica farmacológica geralmente é inferior a 15% do peso inicial. Os fármacos utilizados na perda de peso podem reduzir o aporte energético ou aumentar o gasto energético.

O orlistat é actualmente o único fármaco aprovado pela EMA e comercializado em Portugal para a perda de peso. No ano 2012 foram aprovados pela FDA dois novos fármacos para os doentes obesos a lorcaserina e a combinação fentermina com topiramato.

A cirurgia bariátrica é considerada como o último passo no tratamento da obesidade. Está indicada em doentes com obesidade com mais de dois anos de evolução, com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos, com IMC >40Kg/m2 (ou IMC>35Kg/ m2 se apresentarem co-morbilidades associadas) e nos quais um plano alimentar cumprido durante um mínimo de 12 meses não trouxe consigo uma significativa perda ponderal.

A eficácia de qualquer tipo de terapêutica nos doentes obesos depende da motivação para perder peso e da satisfação do doente com a perda de peso e terapêutica utilizada.


XX Curso pós graduado de endocrinologia, diabetes e metabolismo. 29-29 de Março de 2014, Arquivos de Medicina, vol 28sup mar/abr 2014

domingo, 5 de outubro de 2014

Neuropatia diabética

A Diabetes Mellitus é uma das principais causas de mortalidade e morbilidade (devido ao atingimento micro e macrovascular dos orgãos alvo que condiciona multiplos internamentos e amputações) nos países desenvolvidos. Em Portugal, estima-se que a prevalência de diabetes na população geral ronde os 7.3% sendo na faixa etária dos 20-79 anos de 12.3%. A principal causa de polineuropatia periférica é a diabetes variando a sua prevalência entre 25-50%. A prevalência de polineuropatia distal periférica dolorosa (DPND) no doente com diabetes varia entre 3-26%.

A definição internacionalmente aceite para a polineuropatia diabética dolorosa (DPND) na prática clínica é "a presença de sintomas e/ou sinais de disfunção em doentes diabéticos após exclusão de outras causas para a dor".

A dor da neuropatia diabética apresenta características de dor neuropática, sendo esta definida pela International Association for Study of Pain (IASP) como uma "dor causada por uma doença ou lesão directa que afecta o sistema somatossensorial"; particularmente descrita como formigueiros, picadelas, queimadura na planta dos pés. Esta dor pode ser espontânea e/ou evocada com alodinia e hiperalgesia.

A fisiopatologia da DPND ainda não está totalmente esclarecida, embora a hiperglicemia sustentada crónica e as alterações metabólicas subjacentes pareçam estar na génese do desenvolvimento e progressão da neuropatia diabética.

Valores elevados de IMC (índice massa corporal) e tabagismo têm sido associados como factores independentes para a ocorrência de DPNDs.

Diagnóstico


O diagnóstico da neuropatia diabética dolorosa e não dolorosa é clínico com aplicação de questionários, nomeadamente o Instrumento de Rastreio da Neuropatia de Michigan (MNSI, neste momento em fase de validação para a população portuguesa), a Escala Visual Analógica (EVA) para avaliar a intensidade da dor (0-10), a escala LANSS para o diagnóstico de dor neuropática assim como avaliação da qualidade de vida do doente.

O MNSI de Michigan, é uma ferramenta de rastreio com uma parte inicial que consta na história clínica e uma segunda parte que corresponde ao exame físico incluindo:
1. inspeção dos pés, presença de calosidades, feridas, fissuras, infecção, alterações cutâneas nos pelos e unhas e presença de amputação de membros inferiores.
2. A avaliação semi-quantitativa através de:
2.1. Sensibilidade vibratória pela aplicação do diapasão de 128 Hz na falange distal do halux, bilateralmente. O doente deve ter os olhos fechados.
2.2. Reflexos no tornozelo
2.3. Aplicação do monofilamento de Semmes-Weinstein de 10 g.
Se o doente tiver queixas de dor neuropática acrescentam-se os seguintes testes:
1. toque na área dolorosa com algodão para pesquisa de alodinia (comparando bilateralmente e com área não dolorosa.
2. Aplicação da picada de agulha 22 gauge para avaliar a hiperalgesia.

Para além das análises clínicas básicas, a hemoglobina glicada deve ser avaliada trimestralmente. De igual forma, os diabéticos, não controlados, devem ter estudo eletrofisiológico com a velocidade de condução dos nervos dos membros inferiores. Os estudos de condução nervosa são recomendados porque são quantitativos, objectivos, reproductíveis e as suas alterações correlacionam-se com a alteração clínica, mesmo em fases subclinicas.

Como estudo das fibras nervosas tipo C há, cada vez mais, técnicas emergentes tais como a biopsia da pele e nervo sural; densidade das fibras nervosas intraepidérmicas por quantificação morfométrica; microscopia confocal da córnea (técnica não invasiva que detecta as pequenas fibras nervosas sensitivas da córnea e que se correlacionam com a gravidade da neuropatia diabética distal).

Tratamento


Apesar de tantas terapêuticas para o tratamento da neuropatia diabética (dolorosa e não dolorosa) o controlo dos valores da glicemia é o primeiro passo, assim como a dieta rigorosa de acordo com o esquema de antidiabéticos orais e/ou insulina.

Na neuropatia diabética não dolorosa é importante higiene criteriosa dos pés, de forma, a evitar as calosidades, fissuras e úlceras.

O tratamento farmacológico da NPD não é completamente satisfatório devido à ineficácia, efeitos laterais e baixa adesão do doente, sendo predominantemente utilizado no alívio sintomático da dor quando esta ocorre. Há poucos fármacos que actuem na causa subjacente ou na progressão da doença, sendo o ácido lipoico, por via intravenosa, um dos fármacos apontados com alguma eficácia em estudos randomizados e controlados (nível de evidência A) A sua eficácia por via oral não parece ser semelhante.

Na neuropatia diabética dolorosa os fármcos de primeira linha aprovados pela FDA e EMEA são a pregabalina e a duloxetina. Os antidepressivos triciclicos podem ser utilizados embora menos usados devido aos seus efeitos laterais e falta de eficácia, assim como os opioides, tramadol, lidocaina emplasttro a 5 % devendo-se ter em conta que estes doentes são polimedicados pelas suas co-morbilidades subjacentes.


Todavia, quer o diagnóstico quer o tratamento da dor nos doentes com neuropatia diabética é um grande desafio quer pela escassez de conhecimentos nos mecanismos fisiopatológicos quer pela ausência de fármacos eficazes no seu tratamento.


XX Curso pós graduado de endocrinologia, diabetes e metabolismo. 29-29 de Março de 2014, Arquivos de Medicina, vol 28sup mar/abr 2014

sábado, 4 de outubro de 2014

Retinopatia diabética

A retinopatia diabética é uma das principais causas de cegueira em todo o mundo. Nos países ocidentais 12% a 15% dos casos de cegueira são devidos a diabetes. Nos E.U.A. registam-se anualmente cerca de 8000 novos casos de cegueira provocados por diabetes.

Os principais factores de risco para o início da retinopatia são o tempo de duração da doença, o mau controlo metabólico e o mau controlo tensional. Cinco anos após o início da doença, cerca de 25% dos diabéticos tipo 1 têm retinopatia. Aos 15 anos de evolução, a retinopatia está presente em 80% dos casos. Contudo, a maioria dos doentes diabéticos são tipo 2. Destes, 60% a 80% têm retinopatia após 15 anos de evolução.

A fotocoagulação panretiniana reduz em pelo menos 50% o risco de cegueira nos doentes com retinopatia diabética proliferativa.

Fisiopatologia

A destruição da membrana basal e dos pericitos dos capilares é a primeira alteração estrutural que ocorre na retina do doente diabético. Posteriormente surgem os microaneurismas que já se detectam por fundoscopia. Nesta fase já existe ruptura das barreiras hemato-retinianas (interna e externa).

Diagnóstico

Para o diagnóstico da retinopatia diabética são fundamentais as retinografias, a angiografia fluoresceínica e também o OCT quando se pretende avaliar o edema macular.

Classificação

A retinopatia diabética divide-se em dois grandes grupos: não proliferativa (mínima, moderada e grave) e proliferativa (incipiente, moderada e grave).

Prevenção

As atitudes mais importantes para a prevenção da RD são: o rastreio, a observação periódica e o controlo dos factores de risco, essencialmente, a hiperglicemia e a hipertensão arterial.

Tratamento

O "gold standard" do tratamento da retinopatia é a laserterapia panretiniana e/ou macular (focal ou em grelha). Os casos mais graves associados a hemorragia no vítreo, descolamento da retina e edema macular tracional. A função da laserterapia consiste em anular a isquemia da retina e, desta forma, impedir a libertação de factores de crescimento endotelial (VEGF).

O edema macular é a principal causa de hipovisão no diabético. A laserterapia macular ainda é a melhor forma de impedir a progressão da perda visual. No últimos anos têm sido tentados tratamentos alternativos e/ou complementares à laserterapia, sendo os mais utilizados os esteróides intra-vítreos (nomeadamente, a triamcinolona) e os anti-VEGF intra-vítreos (pegaptanib, ranibizumab, bevacizumab).

Medicamentos menos utilizados são os inibidores da PKC-beta (proteína kinase C-beta) - a ruboxitaurina oral, o Sorbinil, o Candesartan e o Infliximab. Outros químicos ainda em estudo são o VEGF Trap-Eye, os inibidores do RNA mensageiro do VEGF e a Rapamicina intra-vitrea (Sirolimus).

Conclusão

O tratamento da retinopatia diabética com esteróides ou com anti-VEGF pode contribuir para uma maior eficácia da laserterapia e/ou da vitrectomia. O tratamento com estatinas ou com fenofibrato pode diminuir a exsudação macular, mas raramente tem influência na acuidade visual.

Contudo, o Laser continua a ser a principal arma terapêutica, como ficou demonstrado pelo estudo efectuado pelo Diabetic Retinopathy Clinical Research Network publicado em 2008 na revista da Academia Americana de Oftalmologia (Ophthalmology 2008; 115:1447-1459).



XX Curso pós graduado de endocrinologia, diabetes e metabolismo. 29-29 de Março de 2014, Arquivos de Medicina, vol 28sup mar/abr 2014

Acne


A acne é um distúrbio cutâneo comum que afecta frequentemente adolescentes e jovens adultos. Os doentes com acne podem ter distúrbios psicológicos com impacto na vida social. As cicatrizes podem ser desfigurantes e permanecer para toda a vida.

Estima-se que a prevalência do acne nos adolescentes seja entre 35 a 90%, tende a desaparecer na 3a década, mas pode persistir ou desenvolver-se de novo na idade adulta. A prevalência exacta na vida adulta é incerta. A acne na pós-adolescência afecta predominantemente as mulheres, em contraste com a acne da adolescência que tem um predomínio no sexo masculino. A acne vulgaris é a mais comum, existindo, no entanto, vários tipos de lesão de acne, que podem também ser uma manifestação de várias doenças endócrinas.

A acne vulgaris é uma doença dos folículos pilosebáceos. Quatro factores estão envolvidos na patogenia:
  1. hiperqueratinização folicular;
  2. aumento da produção da secreção sebácea;
  3. propionibacterium acne (P. acne) no folículo e
  4. inflamação

Os factores envolvidos no desencadear deste processo inflamatório inicial não são completamente conhecidos, mas as hormonas sexuais parecem desempenhar um papel importante. As glândulas sebáceas aumentam de volume com a adrenarca, bem como a produção de secreções sebáceas, o que proporciona o crescimento do P. acnes, um anaeróbio difteróide que é um componente normal da flora da pele. A inflamação resulta da proliferação do P. acnes.

Papel dos androgénios na Acne


Os androgénios têm um papel na estimulação do crescimento e função secretora das glândulas sebáceas. A maioria dos androgénios circulantes é produzida pelas suprarrenais e gónadas. A produção de androgénios também ocorre nas glândulas sebáceas que convertem o sulfato dehidroepiandrostenediona (SDHEA), um percursor dos androgénios suprarrenais, em testosterona pela acção de várias enzimas. A testosterona é convertida depois em 5-alfa-dihidrotestosterona (DHT), que tem uma maior afinidade para os receptores de androgénios do que a testosterona.

Os homens com insensibilidade aos androgénios (por falta de receptores de androgénios) não produzem secreções sebáceas e não desenvolvem acne, sugerindo um papel importante dos receptores de androgéneos na patogénese do acne.

O início da acne em crianças está relacionado com o aumento dos níveis do SDHEA que ocorre assim que a puberdade se aproxima (adrenarca). Altos níveis do SDHEA são encontrados em raparigas pré-púberes com acne comparando com aquelas sem acne; aquelas com níveis mais elevados desenvolvem formas mais graves. Embora o excesso de androgénios devido a uma variedade de condições ou doenças possa causar acne, a maioria dos doentes com acne tem níveis normais de androgénios.

As doenças mais frequentes às quais a acne está associada ao hiperandroginismo são: síndrome do ovário poliquístico (SOP); hiperplasia suprarrenal congénita; tumores da suprarrenal, tumores do ovário. A acne também pode ocorrer nas situações de hipercortisolismo endógeno ou exógeno.

Diagnóstico


O diagnóstico da acne baseia-se na história clínica e no exame físico. Deve-se ter uma atenção particular à função endócrina, nomeadamente aos sinais e sintomas de hiperandrogenismo. O SOP é uma das causas mais comuns de hiperandrogenismo, que cursa com irregularidades menstruais, hirsutismo, acne, quistos nos ovários e acantose nigricante (marcador de resistência à insulina).

Um aparecimento rápido de acne com sinais de virilização sugere a presença de tumor da suprarrenal ou do ovário. Um doente com fácies "em lua cheia", rubeose facial e acne sugere a presença de síndrome de Cushing. A presença de clitoromegalia e acne podem fazer suspeitar de hiperplasia da supra-renal ou tumor produtor de androgénios.

Não esquecer a toma de fármacos que podem causar erupções acneiformes, tais como: glicocorticóides, fentoína, lítio, isoniazida, factores inibidores do crescimento epidérmicol, fármacos iodados, vitamina B6, vitamina B12, etc.

O exame físico deve ser focado na pele (tipo de lesões, cicatrizes, lesões pós inflamatórias pigmentadas), presença de sinais de hiperandrogenismo ou hipercortisolismo. A avaliação laboratorial para diagnóstico de hiperandrogenismo, inclui a determinação dos níveis de SDHEA, testosterona total, testosterona livre e 17-hidroxiprogesterona (sem toma de ACO). Se se suspeita de hipercortisolismo deverá efectuar-se o doseamento do cortisol livre urinário na urina de 24 horas, o teste de frenação nocturna com 1 mg de dexametasona ou o doseamento de cortisol salivar à meia noite. Se se confirmar a presença de hiperandrogenismo ou hipercortisolismo deverá referenciar-se para a consulta de Endocrinologia.

Terapêutica


A terapêutica anti-androgénica desempenha um papel importante no tratamento das mulheres com acne. Mulheres com hiperandrogenismo por SOP, síndrome de Cushing, hiperplasia da suprarrenal e tumores da suprarrenal ou ovário são tratadas de acordo com a etiologia da sua doença.

As mulheres sem hiperandrogenismo e com acne que não respondeu à terapêutica tópica podem beneficiar de terapêutica com anticoncepcional oral (ACO). A terapêutica hormonal deve ser prescrita como parte do regime contendo retinóides tópicos com ou sem agentes anti-microbianos. Os ACO e a espironolactona (bloqueador receptor de androgénios) são os agentes hormonais mais utilizados para o tratamento do acne.


Uma alternativa razoável à espironolactona é o ácido retinóico ou isotretinoína.


XX Curso pós graduado de endocrinologia, diabetes e metabolismo. 29-29 de Março de 2014, Arquivos de Medicina, vol 28sup mar/abr 2014

Hipotiroidismo

O hipotiroidismo é o distúrbio endócrino que resulta da deficiência da secreção ou resistência à acção da hormona tiroideia. Pode ser classificado em primário (mais frequente; resulta de distúrbio da própria glândula tiroideia); secundário (deficiência de TSH) ou terciário (deficiência de TRH).

É um distúrbio comum, com uma prevalência 2 a 5% na população geral. É mais frequente em indivíduos caucasianos e em mulheres (1homem:2-8mulheres), e a sua prevalência aumenta com a idade, chegando a 20% na população idosa.

Nos países ocidentais e nas áreas de aporte adequado de iodo, a causa mais frequente de hipotiroidismo é a tiroidite auto-imune crónica, que resulta da infiltração linfocítica e destruição progressiva do tecido tiroideu. A nível mundial, a causa mais frequente de hipotiroidismo é a deficiência de iodo. Outras causas de hipotiroidismo primário incluem:
  • Tiroidite pós-parto (subaguda e auto-imune);
  • Tiroidite subaguda granulomatosa (tiroidite de Quervain, dolorosa, subaguda; associada a síndromes virais);
  • Iatrogénica medicamentosa (ex. amiodarona, interferão-alfa, talidomida, lítio, estavudina) ou após exposição a agentes de contraste iodados, terapêutica da doença de Graves com iodo radioactivo, radioterapia cervical ou pós-tiroidectomia parcial/total;
  • Distúrbios congénitos da síntese de hormona tiroideia;
  • Outros (ex. metástases tiroideias de neoplasias não-tiroideias, doenças infiltrativas).

As causas de hipotiroidismo secundário e terciário são: adenoma hipofisário, tumores com efeito de massa sobre o hipotálamo, após radioterapia cerebral, medicamentosa (ex. dopamina, lítio), síndrome de Sheehan e distúrbios genéticos.

O quadro clínico do hipotiroidismo é sistémico, reflectindo a carência de hormona tiroideia por todos os tecidos metabolicamente activos. Habitualmente manifesta-se com uma redução da actividade física e mental, porém com sintomas muito subtis e pouco específicos e pode inclusivamente ser assintomático.

A abordagem do hipotiroidismo inicia-se com colheita cuidadosa da história clínica e realização de exame objectivo.

O diagnóstico definitivo envolve necessariamente o doseamento de hormona tireoestimulante (TSH).
Em indivíduos com doença grave não-tiroideia, pode ocorrer redução dos níveis de TSH e T4, com redução marcada dos níveis de T3. Estas alterações da função tiroideia são habitualmente reversíveis.

No hipotiroidismo secundário e terciário, não há elevação adequada dos níveis de TSH em resposta à reduzida secreção de T4, pelo que, na suspeita, é necessário dosear a TSH e a T4 livre. Na resistência à hormona tiroideia, pode ocorrer um quadro compatível com hipotiroidismo, podendo ser-verificada elevação da T4 e T3, com TSH inapropriadamente normal ou elevada.

Na avaliação do hipotiroidismo, é útil efectuar o doseamento de anticorpos anti-tiroideus, positivos em 95% dos doentes com tiroidite auto-imune, no sentido de confirmar a etiologia e determinar o prognóstico.

A tiroidite auto-imune está associada a uma incidência mais elevada de nódulos tiroideus e malignidade (5% dos nódulos), assim como de outras patologias auto-imunes. Se houver suspeita de lesões tiroideias, deverá ser efectuada ecografia tiroideia ou, se necessário, cintigrafia tiroideia. 


XX Curso pós graduado de endocrinologia, diabetes e metabolismo. 29-29 de Março de 2014, Arquivos de Medicina, vol 28sup mar/abr 2014