Torcicolo é um termo geral usado para descrever uma contractura
unilateral ou fibrose do músculo esternocleidomastóideo (ECM), causando
inclinação lateral da cabeça para o lado da contractura. O torcicolo congénito
pode apresentar-se no nascimento ou logo depois. A incidência de torcicolo congénito
é de 1 em cada 250 nados vivos, frequentemente com plagiocefalia e displasia da
anca como patologias concomitantes.
A etiologia do torcicolo congénito é incerta. No
entanto, a bibliografia indica que um comprometimento no aporte vascular para o
músculo ECM provoca a formação de tecido fibroso que resulta no encurtamento
muscular.
A detecção precoce de torcicolo e início da fisioterapia
estão associados a melhores resultados e uma menor incidência de alongamento
cirúrgico do ECM. Se permanecerem limitações significativas na rotação cervical
após 6 meses de um programa de alongamento manual, o tratamento cirúrgico é recomendado.
Os sinais clínicos de torcicolo congénito incluem:
- Fibrose unilateral ou encurtamento do músculo ECM,
- Flexão lateral da cabeça, e desvio do queixo para o lado contralateral com perda significativa de amplitude ativa e passiva de movimento da coluna cervical
- Massa palpável no músculo ECM durante os primeiros 3 meses de vida, seguida de amplitude restrita de movimento do músculo ECM,
- Mudanças morfológicas no crânio (plagiocefalia) nomeadamente a área parietal-occipital achatada, um deslocado anterior da orelha contralateral ao músculo ECM encurtado
- Posturas compensatórias nas coluna cervical e torácica, tronco e extremidades, incluindo elevação do ombro e flexão lateral do tronco no lado afectado.
Este estudo de caso clínico descreve o diagnóstico
diferencial do torcicolo congénito, os sinais clínicos associados, e os
resultados clínicos da intervenção de fisioterapia numa criança que também
tinha hidrocefalia.
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial da causa do torcicolo é
crítico para o fisioterapeuta, não apenas para confirmar que o diagnóstico
correcto foi feito, mas também para garantir que o paciente tem indicação para
fisioterapia.
Torcicolo congénito Vs Torcicolo congénito postural (TCP). Um paciente com TCP tem sinais que se assemelham a torcicolo congénito, mas
sem massa palpável no ECM. Pacientes com TCP têm uma diminuição da capacidade
de rodar ou flexionar lateralmente de forma ativa a cabeça, mas têm amplitude
normal cervical de forma passiva.
Alterações da visão. Os lactentes com torcicolo
ocular tendem a apresentar os sinais posturais do torcicolo, sem restrições na amplitude
de movimento cervical. Pacientes com insuficiência dos músculos extra-oculares
em um olho tendem a adotar uma postura de cabeça anormal, especificamente uma
inclinação da cabeça, para alcançar uma visão binocular clara e evitar a
diplopia.
Alterações ósseas. Incluindo subluxação de C1-C2,
também conhecida como síndrome de Grisel. Infecções comuns incluem infecção
respiratória superior, otite, faringit, sinusite, adenite cervical, e abcesso retrofaríngeo. Qualquer processo inflamatório na região cervical superior que
irrita os músculos cervicais, nervos ou vértebras, incluindo trauma e
intervenção cirúrgica, podem produzir espasmo reflexo, resultando em torcicolo.
Alterações neurológicas. Tumor da fossa posterior,
siringomielia, e um tumor da medula espinhal podem causar torcicolo. Os sintomas
associados a estas condições podem incluir dores de cabeça, náuseas, vómitos, e
sinais neurológicos positivos. Uma avaliação neurológica completa deve ser
realizada durante a avaliação inicial do fisioterapeuta, incluindo itens da
Neonatal Behavioral Assessment Scale, avaliação da resposta auditiva e visual,
consolabilidade, agilidade, atividade mão-boca, controlo da cabeça durante o
pull-to-sit, resposta a um pano sobre o rosto, reflexo de Landau e reflexos
tónicos simétricos do pescoço.
Apresentação do caso clínico
- Bebé do sexo masculino, com 4 meses, foi encaminhado pelo seu pediatra para avaliação e tratamento para torcicolo em fisioterapia. O paciente nasceu com 38 semanas por cesariana por causa de apresentação pélvica com a cabeça voltada para a direita.
- O peso ao nascer foi de 3Kg. A história médica era normal para problemas de visão, audição, alimentação ou refluxo.
- O paciente apresentou-se com uma posição de cabeça assimétrica e uma inclinação da cabeça cervical esquerda.
- A mãe do paciente notou pela primeira vez uma posição assimétrica da cabeça no nascimento, quando o bebé preferia mamar no lado direito. Ela notificou o pediatra da preferência da criança, que notou primeiro o achatamento da cabeça e, em seguida, a posição da cabeça assimétrica quando tinha 2 meses de idade.
- A mãe do paciente relatou que a posição da cabeça assimétrica tinha aumentado desde o nascimento.
- No exame em fisioterapia utilizou-se a Alberta Infant Motor Scale. O paciente estava no percentil 10 com base na sua idade cronológica.
- Foram notadas assimetrias cranianas quando visto de cima com achatamento posterior direito do crânio. A orelha direita estava mais anterior do que a esquerda. As características faciais estavam simétricas.
- A criança posicionava a cabeça e o pescoço numa postura assimétrica quando em prono, supino, sentado suportado e apoiado de pé. Assimetrias posturais incluíam rotação do queixo para a direita, o ombro esquerdo mais alto do que o direito, e tronco inclinando-se de lado para a direita.
- Quando na posição de bruços, ele foi capaz de levantar a cabeça apenas um pouco fora da superfície de apoio. Na posição prona, conseguiu virar a cabeça 90º para a direita e 15º para a esquerda.
- A manobra de Ortolani foi negativa.
- A palpação do corpo músculo ECM esquerdo revelou um aumento da tensão quando colocado sobre estiramento leve. Apesar de não haver massa palpável no músculo ECM esquerdo, havia um feixe muscular mais tenso no músculo, e restrições de tecidos moles.
- As dobras cutâneas cervicais eram assimétricas com aumento de dobras da pele e vermelhidão no lado esquerdo do pescoço. O alongamento passivo de flexão cervical lateral pareceu causar dor por causa da tensão sobre a pele.
Com base no exame e avaliação, revisão da literatura,
e diagnóstico diferencial, foi confirmado o diagnóstico de torcicolo congénito.
Tratamento
Muitos fatores devem ser pesados para determinar o
plano de tratamento mais eficiente e eficaz para uma criança com torcicolo
congénito:
- A idade da criança,
- A gravidade do torcicolo,
- A presença de plagiocefalia,
- Alterações neuromusculares ou ortopédicas,
- A habilidade dos pais para realizar os exercícios de reposicionamento.
Em geral, a intervenção deve
concentrar-se em normalizar a amplitude de movimento na região cervical, o
tratamento de desequilíbrios dos ECM e minimizar a assimetria na espontânea posicional
e no movimento.
- Este paciente foi visto, uma vez por semana durante 45 a 60 minutos por tratamento até aos 11 meses de idade.
- Durante os 6 meses de fisioterapia a intervenção consistiu em técnicas manuais suaves de alongamento cervical em flexão lateral direita e rotação esquerda, exercícios de flexão lateral passiva da cervical, técnicas de fortalecimento dos músculos da cervical e de facilitação neuromuscular proprioceptiva.
- Inicialmente, a criança só tolerava 30 segundos de alongamento, progredindo para 2 a 3 minutos com uma intensidade baixa para evitar trauma às estruturas de colagénio e sem provocar dor.
- Foram utilizadas as técnicas de facilitação neuromuscular para auxiliar o paciente no desenvolvimento de habilidades motoras adequadas à idade. O paciente foi incentivado a assumir e manter uma posição de bruços nos cotovelos, com a cabeça até 90º em extensão e na linha média com o tronco.
- O paciente foi ensinado a rolar de supino para prono e de prono para supino, de lado para sentado.
- A massagem também foi utilizada de forma intermitente durante o tratamento. Principalmente para a musculatura cervical esquerda (ECM, trapézio superior, elevador da escápula e paraespinhais) e do tecido subcutâneo.
Por causa das assimetrias craniofaciais severas e da
alteração da forma da cabeça, foi prescrito um aparelho ortopédico (um
capacete) para modificar o formato da cabeça através de um processo de remodelação
natural.
O principal objetivo da órtese craniana é incentivar
a remodelação da cabeça deformada ao deixar espaço suficiente no capacete em
áreas achatadas e colocar pressão sobre outras áreas para promover a simetria.
O paciente tinha um capacete de moldagem durante o primeiro mês de intervenção em
fisioterapia. A mãe relatou que ele usava o capacete aproximadamente 23horas
por dia.
Um programa de exercícios para casa (PEC) foi
incorporado às rotinas da família e incluiu maneiras de lidar, alimentar, transportar
e posicionar o paciente; atividades para incentivar a posição da cabeça na
linha média e postura do tronco e cervical, para além de movimentos suaves ativos
e passivos para manter a amplitude de movimento conquistada durante os
tratamentos. O PEC é crucial para as crianças com torcicolo e A adesão dos pais
ao programa é vital para a obtenção de bons resultados.
Resultados
Conclusões
Embora a fisiopatologia e etiologia do torcicolo
sejam ainda desconhecidas, o encurtamento unilateral e fibrose do músculo ECM
são aparentes durante a infância e um bom indicador clínico da patologia. A
plagiocefalia é vulgarmente associada a torcicolo congénito.
O exame inicial de fisioterapia deve concentrar-se
no diagnóstico diferencial para auxiliar o médico na exclusão de outros
diagnósticos concorrentes, como torcicolo congénito postural, alterações
oculares, alterações ósseas e neurológicas.
O tratamento em fisioterapia deve incluir técnicas
de posicionamento, mobilização suave, atividades de fortalecimento e um PEC.
Um dos principais objetivos do fisioterapeuta para
esta população é para evitar assimetria facial e craniana, limitações na
amplitude de movimento cervical e compensações posturais de longo prazo.
A severidade das restrições de rotação do pescoço, a
presença de uma massa palpável, e idade aquando tratamento inicial são
variáveis que afetam os resultados da intervenção do fisioterapeuta.
Gray GM, Tasso KH. Differential diagnosis of torticollis: a case report. Pediatr Phys Ther. 2009 Winter;21(4):369-74.
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