domingo, 30 de dezembro de 2012

Espondilólise e espondilolistese


A espondilolistese é um termo médico utilizado para descrever o deslizamento anormal de uma vértebra em relação à vértebra que se posiciona imediatamente abaixo desta. Este deslizamento acontece quando a parte posterior da coluna lombar (onde se forma o canal medular) perde a sua integridade, permitindo o deslizamento anormal de uma vértebra sobre a outra, que geralmente se dá no sentido anterior (anterolistese) mas também poderá acontecer no sentido posterior (retrolistese).
À perda de integridade do arco posterior da coluna dá-se o nome de espindolólise, e esta é a principal causa da espondilolistese. A espondilólise é muito comum e, como na maioria dos casos é assintomática, muitas vezes é identificada por acaso, num exame de imagem direccionado a outro problema. No entanto, à medida que esta se desenvolve, o tecido fibroso que liga o centro da vértebra ao arco dorsal vai-se tornando mais fraco. Condições como pequenos traumatismos ou mesmo ficar de pé muito tempo podem provocar ainda mais fragilidade, que por sua vez leva à instabilidade das vértebras lombares, resultando por fim numa espondilolistese verdadeira.
A incidência de espondilólise é 3-6% na população em geral. A prevalência é maior nos adolescentes com doença de Scheuermann, atletas e ginastas (até 12%), e jovens do sexo feminino. O risco da espondilólise progredir para uma espondilolistese é de cerca de 4-5%, e esta é mais comum entre as vértebras L4-L5 e L5-S1.

Sinais e sintomas/ Diagnóstico

  • Dor na lombar, que piora com a actividade e pode ter associada compressão da raiz nervosa, levando irradiação da dor e dor ciática.
  • Alterações sensoriais decorrentes da compressão do nervo.
  • Atrofia muscular dos glúteos.
  • Nos casos mais graves, pode observar-se alteração dos esfíncteres anal e uretral, devido à compressão da cauda equina.
  • As crianças e adolescentes costumam ter postura anormal (aumento da lordose lombar) e uma forma característica de caminhar.

Uma boa avaliação, incluindo uma história clínica, exame da anca, lombar e sacroiliaca, exame neurológico e postural são necessários para ajudar ao diagnóstico de uma espondilolistese. A confirmação do diagnóstico muitas vezes começa com um raio-X à coluna lombar, no entanto, a ressonância magnética (RM) é o principal meio de diagnóstico, pois permite visualizar a articulação, nervos e estruturas adjacentes em detalhe.

Tratamento

O tratamento conservador é usualmente indicado quando o deslizamento equivale a menos de 50% do tamanho do corpo vertebral e em que os sintomas neurológicos não existem ou são reduzidos. O tratamento inicial deve incluir:
  • Repouso, evitando movimentos como o de elevação, flexão para a frente com os joelhos esticados e todos os desportos.
  • O seu médico poderá prescrever medicamentos anti-inflamatórios para controlar a infecção e diminuir a dor
  • Uma infiltração com cortico-esteróides pode ser aplicada por um ortopedista, sobretudo se o paciente apresentar dor pela perna ou dormência.
  • Poderá ser usada uma cinta de suporte lombar para evitar o movimento excessivo entre as vértebras. Assim que os sintomas aliviarem a cinta deve ser progressivamente retirada.
  • Exercícios de correcção postural, e fortalecimento dos músculos abdominais profundos para promover a estabilização da coluna vertebral e a redução da dor
  • Fazer exercício na bicicleta estática pode ser benéfico, pois promove a flexão da coluna, evitando uma lordose exagerada, e não implica impactos sobre a coluna, como a corrida ou desportos de contacto.

Quando o deslizamento é maior que 50% do tamanho da vértebra e os sintomas neurológicos afectam a qualidade de vida a cirurgia será o tratamento mais adequado. As vértebras afectadas são fixadas às vértebras adjacentes, que estejam normalmente alinhadas. Geralmente o disco intervertebral também é removido. Apesar de terem bons resultados a longo prazo, principalmente em jovens atletas, este tipo de cirurgias é complexo e pode levar a possíveis complicações, como pseudartrose, compressão nervosa ou pé pendente, a decisão de se submeter a cirurgia deverá ser bem ponderada e todas as opções de tratamento não cirúrgico deverão ter sido tentadas anteriormente.

Exercícios terapêuticos para a espondilolise e espondilolistese

Os seguintes exercícios são geralmente prescritos durante a reabilitação, por tratamento conservador, de uma espondilolise/espondilolistese. Deverão ser realizados 2 a 3 vezes por dia e apenas na condição de não causarem ou aumentarem os sintomas.


Posição de congruência das facetas articulares
Deitado, apoie-se nos cotovelos. Mantenha a posição durante 30 a 90 segundos. Retorne lentamente à posição inicial.
Repita entre 2 a 4 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.



 

Rotação da coluna lombar
Deitado, com os joelhos dobrados e os braços ao longo do corpo. Rode ambas as pernas para um lado, depois para o outro.
Repita entre 8 a 12 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.




 Fortalecimento do transverso do abdómen
Deitado, com o elástico à volta da cintura. Pressionar o fundo das costas contra o chão e tentar diminuir o diâmetro da cintura. Mantenha a contracção durante 8 segundos. Retorne lentamente à posição inicial.
Repita entre 8 e 12 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.




Antes de iniciar estes exercícios você deve sempre aconselhar-se com o seu fisioterapeuta.

Kalichman L, Hunter DJ. Diagnosis and conservative management of degenerative lumbar spondylolisthesis. Eur Spine J. 2008 Mar;17(3):327-35.
Cohen SP, Raja SN. Pathogenesis, diagnosis, and treatment of lumbar zygapophysial (facet) joint pain. Anesthesiology. 2007 Mar;106(3):591-614

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Tratamento recomendado para atletas com pubalgia


A Visual Health Information publicou a sua newsletter mensal. Nesta edição respondem à questão:

Qual é o tratamento recomendado para atletas com pubalgia?


Para responder a esta questão, foi realizada uma pesquisa abrangente no banco de dados PubMed (durante setembro de 2012) por trabalhos que abordaram esta questão específica.

Estima-se que a dor na virilha está presente em 5-7% de todas as lesões no desporto, e é mais comum em desportos que exigem chutar ou mudanças bruscas de direção. O diagnóstico da pubalgia é complicado por existirem inúmeras condições que podem causar dor crónica na região do púbis, muitas vezes coexistindo mais que uma dessas condições. As causas da pubalgia não são certas, mas provavelmente estão relacionadas com fatores como desequilíbrios musculares entre abdominais e adutores do quadril, bem como défices de mobilidade lombopélvica e do quadril.

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Em estudos recentes, Woodward descreveu de forma detalhada a reabilitação de sucesso de um jogador da National Hockey League com pubalgia, enfatizando importância da estabilidade lombo-pélvica na sua abordagem. Noutro estudo, com 60 atletas de elite com pubalgia concluiu-se que a correção cirúrgica era mais eficaz do que oito semanas de tratamento conservador. No entanto, o estudo não foi um double-blind controlled trial e a análise do "momento de regresso ao desporto" pode ter sido condicionada por esse viés. Kachingwe e colaboradores criaram um algoritmo de tratamento utilizado com sucesso no tratamento de seis jovens atletas diagnosticados com pubalgia. O algoritmo utilizava características do início da lesão, período de tempo disponível para a reabilitação, e nível de desempenho para orientar o tratamento. Num outro estudo avaliaram o efeito da cirurgia e seis semanas de reabilitação em adultos com défice muscular da parede abdominal posterior e concluiu que o défice na força do abdominal oblíquo pode estar relacionado com dor na região do púbis, no entanto, as limitações do estudo incluem a falta de detalhes metodológicos e avaliação de força abdominal pouco rigorosa.

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Com base nesta revisão da literatura, 6-8 semanas de tratamento conservador deve ser considerado como opção terapêutica para a pubalgia em atletas, com ênfase no controlo neuromuscular da região lombopélvica e equilíbrio entre a musculatura abdominal e do quadril. Se o tratamento não for bem-sucedido, a cirurgia com reabilitação no pós-operatório normalmente permite o retorno à atividade sem limitações. Com base nas recomendações dos artigos revistos, a VHI selecionou os seguintes exercícios:


Da posição de sentado na bola, progrida para a posição em tábua, apoiado numa perna e com a outra esticada. Faça repetições de descida controlada da bacia enquanto mantém a outra perna estendida.
Com os joelhos e as mãos apoiadas no chão, estenda simultaneamente um braço e a perna do lado oposto, procurando manter braço, tronco e perna alinhados num eixo. Repita o mesmo gesto com os membros do outro lado.


Esta newsletter mensal está disponível de forma gratuita no site Visual Health Information. 

Veja este e outros sites de prescrição de exercícios terapêuticos Aqui!


Woodward JS, Parker A, Macdonald RM. Non-surgical treatment of a professional hockey player with the signs and symptoms of sports hernia: a case report. Int J Sports Phys Ther. 2012 Feb;7(1):85-100. PubMed PMID: 22319682; PubMed Central PMCID: PMC3273884.
Paajanen H, Brinck T, Hermunen H, Airo I. Laparoscopic surgery for chronic groin pain in athletes is more effective than nonoperative treatment: a randomized clinical trial with magnetic resonance imaging of 60 patients with sportsman's hernia (athletic pubalgia). Surgery. 2011 Jul;150(1):99-107. Epub 2011 May 5. PubMed PMID: 21549403.
Caudill P, Nyland J, Smith C, Yerasimides J, Lach J. Sports hernias: a systematic literature review. Br J Sports Med. 2008 Dec;42(12):954-64. Epub 2008 Jul 4. Review. PubMed PMID: 18603584.
Kachingwe AF, Grech S. Proposed algorithm for the management of athletes with athletic pubalgia (sports hernia): a case series. J Orthop Sports Phys Ther. 2008 Dec;38(12):768-81. PubMed PMID: 19047766.
Hemingway AE, Herrington L, Blower AL. Changes in muscle strength and pain in response to surgical repair of posterior abdominal wall disruption followed by rehabilitation. Br J Sports Med. 2003 Feb;37(1):54-8. PubMed PMID: 12547744; PubMed Central PMCID: PMC1724590.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Do exercício físico à saúde, o que a investigação nos pode ensinar.


Entrevista com:Professor Doutor José Alberto Ramos Duarte





P.: Ultimamente tem-se debatido vantagens/desvantagens do exercício físico. Na sua opinião, esta é uma questão que se responde como no ditado "a dose faz o veneno"? Nesse caso, haverá uma dose que será razoável aconselhar, sem descurar a obtenção de resultados satisfatórios?

R: Importa esclarecer que os efeitos da atividade física regular, ou do exercício físico repetido no tempo, serão tanto mais notórios para quem segue este estilo de vida, comparativamente aos demais elementos da população, quanto maior for o nível de sedentarismo dessa sociedade. De facto, considerando que a estrutura e a função orgânica estão intimamente associadas, pode-se afirmar com alguma segurança que o Homem é, biologicamente, um ser vocacionado para o movimento. Contudo, com o desenvolvimento tecnológico e a rápida suavização da exigência imposta pelo meio ambiente,  as populações foram-se tornando cada vez mais sedentárias, sendo esta condição, a par do aumento da longevidade e da abundância de alimentos altamente energéticos, uma das principais razões para explicar o aumento da incidência e prevalência das chamadas doenças cronico-degenerativas nas sociedades industrializadas.

Deste modo, o exercício físico ou a atividade física regular apenas se revelam vantajosos para a saúde humana, não porque tenham intrinsecamente alguma "fórmula química especial" com "efeitos miraculosos", mas tão somente porque a inatividade física é uma condição nefasta e inadequada à biologia humana, predispondo os sujeitos ao aparecimento de patologias e doenças. 

Respondendo concretamente à questão colocada,…sim,…tal como com qualquer fármaco, também com o exercício físico a dose administrada fará o veneno pois, se por um lado, doses muito baixas possuem poucas repercussões orgânicas, com poucas vantagens relativamente aos demais indivíduos sedentários da população, por outro lado, as doses mais elevadas, pela sobrecarga metabólica e mecânica impostas aos diferentes órgãos e sistemas, poderão ter repercussões nefastas, podendo mesmo, em situações pontuais, culminar ou na morte do indivíduo durante o exercício ou, em termos crónicos, motivar o aparecimento de patologias do foro ortopédico ou outros, reduzindo assim a saúde e a qualidade de vida dessas pessoas. 

Os atletas de alto rendimento que estão sujeitos a elevadas cargas de treino físico, com os problemas associados da morte súbita induzida pelo exercício ou das patologias e doenças que os acometem mais tarde na sua vida futura, constituem um bom exemplo da toxicidade aguda e crónica do exercício físico regular em altas doses. Por isso mesmo, embora o treino de alto rendimento desportivo tenha por objetivo aumentar a funcionalidade e a capacidade de realizar trabalho no presente, os atletas que o praticam pagam, na sua vida futura, um preço bem alto em termos de saúde e qualidade de vida, por terem optado por este tipo de comportamento aquando jovens. 

Do ponto de vista teórico, a dose ideal (considerando a intensidade, o tempo e os períodos de recuperação entre exercícios) deverá estar na mancha cinzenta compreendida entre as situações extremas de sedentarismo e do alto rendimento desportivo, permitindo aos indivíduos um aumento de funcionalidade comparativamente ao sedentário mas, simultaneamente, um menor risco para a saúde comparativamente aos atletas de alto rendimento.



P.: A questão das alterações morfológicas que o exercício provoca, sobretudo nos jovens atletas em fase crescimento, é cada vez mais uma preocupação para pais e treinadores. Consegue dar-nos exemplos de boas práticas para evitar complicações clínicas, ou sinais a estar atento. 

R: Há cada vez mais convicção que o exercício físico, quando praticado em idades jovens, de forma regular e em doses ajustadas individualmente, é extremamente vantajoso para o desenvolvimento biológico, psicológico e social dos seus praticantes. Esta maior exigência orgânica, funcional e metabólica, imposta pelo comportamento dos indivíduos, parecer ser extremamente vantajosa não só para o crescimento, mas também para a maturação de diferentes órgãos e sistemas, nos quais se incluem o sistema nervoso central, o sistema locomotor e o sistema cardiorrespiratório. De facto, são muitas as evidências científicas mostrando um aumento da qualidade da massa óssea, da qualidade da massa muscular esquelética, da melhor adaptabilidade cardiovascular e respiratória a situações de stress, da maior capacidade de desenvolvimento cognitivo e da melhor integração social observada nos indivíduos fisicamente ativos comparativamente aos sedentários. 

Assim sendo, as alterações morfológicas impostas pelo exercício físico regular, em doses adequadas, parecem ser extremamente benéficas para o desenvolvimento futuro das crianças e adolescentes. Contudo, como a dose faz o veneno, também se acredita que elevadas cargas de treino físico em crianças possam comprometer o seu normal desenvolvimento. Assim, os casos de fraturas ósseas de fadiga, de fechamento precoce das metáfises ósseas, de infecções respiratórias de repetição, de patologias inflamatórias crónicas musculotendinosas, de luxações ou subluxações articulares de repetição, de alterações comportamentais e humorais, podem ser bons exemplos de se ter ultrapassado, em termos biológicos, a capacidade adaptativa orgânica à sobrecarga mecânica e metabólica imposta pelo treino físico aos diferentes sistemas. É tudo uma questão de uma maior ou menor exposição ao risco e, simultaneamente, de sorte ou de azar conjuntural! É claro que todos os indivíduos, mesmo os menos ativos, estão também sujeitos à ocorrência destas patologias ou doenças, contudo, o maior risco, por maior exposição, ocorre nos atletas de alta competição. 

Normalmente, os treinadores estão muito atentos ao problema da intensidade e da duração dos exercícios físicos. Contudo, apesar destas características do exercício serem importantes para aumentar ou atenuar o risco de ocorrência de patologias ou doenças, talvez um factor tão ou mais importante seja o período de recuperação entre exercícios. Períodos de recuperação incompletos, tais como aqueles preconizados no treino de resistência, são os que mais comprometem a capacidade adaptativa orgânica, uma vez que o reduzido período de recuperação entre exercícios limita a capacidade orgânica de reparar as alterações homeostáticas induzidas pelo exercício prévio.



P.: Que o corpo reage de maneira diferente à medida que vamos envelhecendo já temos consciência. Mas consegue explicar-nos em linhas gerais o porquê disso acontecer e como podemos atenuar os efeitos físicos do processo de envelhecimento?

R: Os organismos biológicos caracterizam-se pela redundância dos seus componentes biológicos, a qual, a diferentes níveis de organização, se traduz pelo número excedente de órgãos, de células, de organelos ou mesmo moléculas. Por exemplo, podemos perfeitamente viver sem um rim, sem uma porção do fígado ou mesmo do pulmão. Continuaríamos a ouvir ou a ver apenas com um ouvido ou um olho e a nossa viabilidade não ficaria comprometida, por exemplo, com menos um braço ou uma perna. 
Para uma abordagem deste assunto, com um carácter mais didático, vamos considerar a célula como a unidade estrutural e funcional orgânica e, assim, analisar a redundância celular. É aceite que possuímos um maior número de células nos vários órgãos do que aquele que precisaríamos para assegurar a sua normal funcionalidade em situações basais. Toda a massa de células redundantes de um determinado órgão é, por isso, responsável por uma funcionalidade acrescida relativamente aquela necessária para situações basais, a qual não precisamos para as exigências funcionais do dia a dia e que reservamos para situações de maior exigência funcional. A diferença entre a funcionalidade basal e a funcionalidade máxima do órgão é denominada por capacidade funcional de reserva. Em consequência das constantes agressões ambientais a que nos sujeitamos diariamente ao longo da vida, muitas células vão perdendo funcionalidade e vão morrendo, não sendo totalmente substituídas por novas células. 

Isto significa que, com o tempo, vamos perdendo redundância celular, perda essa que se traduz por uma diminuição progressiva da capacidade funcional de reserva e pela menor capacidade adaptativa a situações de stress. 
De facto, todo o trabalho associado à funcionalidade orgânica de base que era, tempos idos, distribuído por um grande número de células, cabendo a cada uma delas uma pequena fatia desse trabalho, passa a ser progressivamente distribuído por um número de células cada vez menor, com a consequente maior exigência funcional imposta a cada uma delas e, dessa forma, motivando em cada uma maiores desequilíbrios homeostáticos, com maior susceptibilidade de lesão e morte. Esta ocorrência vai limitando não só a capacidade máxima do órgão mas também a capacidade de cada célula de responder a situações de exigência acrescida, tornando-as mais susceptíveis à morte. Esta situação será tanto mais grave, colocando em risco a capacidade adaptativa do indivíduo (e, em última análise, a sua própria vida) exposto a situações extremas de maior exigência funcional, quanto maior for a exposição ambiental a esses agentes tóxicos, exposição essa que se associa diretamente com a idade cronológica e com os comportamentos de risco das pessoas. 
O envelhecimento é considerado, por isso mesmo, não um fenómeno, mas antes uma propriedade que caracteriza os seres que possuem elementos redundantes! Quem não os possui não pode envelhecer: se o único elemento falhar, morre-se! Pelo exposto, facilmente se depreende que o envelhecimento é irreversível.

Do ponto de vista científico, ainda não se sabe qual o efeito do exercício físico regular no envelhecimento biológico. Do ponto de vista teórico, se, por um lado, o aumento da exigência imposta aos órgãos pelo exercício parece promover a morte de células mais susceptíveis e a sua substituição por outras mais jovens e mais funcionais (parece haver um rejuvenescimento no presente), por outro lado, este maior turnover celular pode, em termos futuros, promover o esgotamento precoce de células stem e, assim sendo, comprometer a capacidade regenerativa, a longo prazo, desse órgão. 

Não se sabe ainda responder a esta dúvida. Para acentuar ainda mais a confusão sobre o tema, há que considerar que a diminuição da funcionalidade máxima de um determinado órgão que ocorre com a idade cronológica, não é da responsabilidade exclusiva do envelhecimento biológico, havendo também uma importante contribuição da baixa exigência funcional cronicamente imposta ao órgão. Por exemplo, a nível muscular esquelético, tem sido demonstrado que o treino físico aumenta a força muscular máxima em indivíduos idosos. Isto significa que o treino combate o envelhecimento? Não, porque o envelhecimento biológico tem um carácter irreversível! O próprio desuso muscular contribuiu para essa redução da força e, assim, no fenótipo de um indivíduo idoso, torna difícil separar o que é resultado do envelhecimento do que é consequente do desuso orgânico.




P.: Para terminar, algum novo projecto de investigação na calha? Ou sugestão de temas que seriam interessantes investigar no futuro?

R: Neste momento há vários projetos financiados de investigação fundamental a decorrer no laboratório que coordeno. Um diz respeito à plasticidade do tecido ósseo e às suas alterações celulares, de organização estrutural e de constituição da matriz orgânica e inorgânica, em resposta a alterações hormonais e à sobrecarga mecânica crónica. Um outro diz respeito aos mecanismos de cardioproteção motivados pelo treino físico. Existe ainda um outro projeto relacionado com a influência do exercício físico regular nos mecanismos de reparação celular (heteroplasmia mitocondrial) e tecidual (cicatrização vs. Regeneração) do músculo esquelético.  





Professor Doutor José Alberto Ramos Duarte

Professor catedrático da Faculdade de Desporto da UP

Licenciado em medicina e doutorado em biologia do desporto
Diretor do curso de doutoramento em Fisioterapia
Editor do International Journal of Sports Medicine
Editor dos Archives of Exercise in Health and Disease
211 artigos científicos publicados em revistas internacionais peer-review.




domingo, 23 de dezembro de 2012

Lesão osteocondral/fractura do tálus no tornozelo


A articulação do tornozelo é composta pela parte inferior da tíbia (maléolo interno) e do perónio (maléolo externo), e pela superfície articular superior do osso tálus (ou astrágalo). Esta superfície tem a forma de uma cúpula e é totalmente revestida com cartilagem flexível e resistente, que permite que o tornozelo se mova suavemente, dobrando e esticando o pé.
Uma lesão da cúpula do tálus significa uma lesão da cartilagem e do osso do tálus dentro da articulação do tornozelo. É também chamada de lesão osteocondral do tálus. "Osteo" significa osso e "condral" refere-se a cartilagem.
As lesões da cúpula do tálus são geralmente causadas por uma entorse de tornozelo. Se a cartilagem não recuperar correctamente após a lesão, esta enfraquece com o desenvolver das actividades e pode acabar por quebrar. Por vezes um pequeno fragmento da cartilagem ou de osso danificado poderá ficar “solto” dentro do tornozelo.

Sinais e sintomas/ Diagnóstico

A menos que se trate de uma lesão extensa, provocada por um traumatismo forte, que afecte várias estruturas, pode levar meses, ou até mais de um ano, para que os sintomas se desenvolvam. Os sinais e sintomas de uma lesão cúpula talar podem incluir:
  • Dor crónica profunda no tornozelo, geralmente piora quando o peso do corpo está sobre o pé (especialmente durante a prática desportiva) e diminui quando está em descanso
  • Uma sensação ocasional de "clique" ou "prender" no tornozelo ao andar
  • Episódios de inchaço do tornozelo quando em carga, que desaparecem em repouso

Uma lesão cúpula do tálus pode ser de difícil diagnóstico, pois o local preciso da dor nem sempre é fácil de identificar. São efectuados raio-X, e muitas vezes, a ressonância magnética ou outros exames de imagem avançados estão indicados, de modo a avaliar melhor a extensão da lesão.

Tratamento

                Depende da gravidade da lesão. Se a lesão é estável (sem pedaços soltos de cartilagem ou osso dentro da articulação), uma ou mais das seguintes opções de tratamento não-cirúrgico pode ser considerada:
Imobilização. Dependendo do tipo de lesão, a perna pode ser colocada numa bota ou tala para proteger o tálus. Durante este período de imobilização, exercícios de mobilidade articular, sem aplicar carga podem ser recomendados
Anti-inflamatórios não-esteróides (AINEs), tais como o ibuprofeno, podem ser úteis na redução da dor e inflamação.
Fisioterapia. Exercícios de mobilização e fortalecimento são benéficos, desde que a lesão esteja devidamente estabilizada. A fisioterapia também pode incluir técnicas como a electroterapia para reduzir a dor e inchaço.
Se o tratamento conservador não aliviar os sintomas, a cirurgia pode ser necessária. A cirurgia pode envolver a remoção dos ossos e fragmentos de cartilagem soltos no interior da articulação e restabelecer à articulação um espaço ideal para a cicatrização e cura da lesão. Nesse caso a fisioterapia apenas deve começar entre 6-7semanas após a cirurgia, quando já não há risco de provocar um agravamento da lesão.

Exercícios terapêuticos para lesões osteocondrais/fracturas do tálus

Os seguintes exercícios são geralmente prescritos após a confirmação de que a lesão não envolve fractura, ou que esta está consolidada. Deverão ser realizados 2 a 3 vezes por dia e apenas na condição de não causarem ou aumentarem os sintomas.



Flexão/extensão do pé
Deitado, com o calcanhar fora da cama, puxe a ponta do pé e dedos para si, depois empurre pé e dedos para baixo.
Repita entre 15 e 30 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma. 



  Flexão resistida do
Sentado, com o elástico na ponta do pé. Puxe a ponta do pé para cima, depois deixe o pé voltar lentamente à posição inicial.
Repita entre 8 a 12 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.


 Propriocepção do tornozelo
Em pé, apoiado na perna lesada e com esse joelho ligeiramente dobrado. Tente manter o equilíbrio sem apoiar os braços e olhando em frente. Mantenha esta posição entre 15 a 30 segundos.
Repita entre 5 a 10 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.





Antes de iniciar estes exercícios deve sempre aconselhar-se com o seu fisioterapeuta.

van Dijk CN, Reilingh ML, Zengerink M, van Bergen CJ. The natural history of osteochondral lesions in the ankle. Instr Course Lect. 2010;59:375-86.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Torcicolo


O torcicolo manifesta-se sob a forma de contracções involuntárias dos músculos do pescoço, levando a posturas e movimentos anormais da cabeça.
Um torcicolo é sempre um sintoma originado por outra disfunção e nunca uma disfunção em si.
As contracções involuntárias, ou espasmos musculares, característicos do torcicolo, podem resultar de qualquer lesão ou inflamação da musculatura cervical, principalmente do esternocleidomastoideu, da compressão dos nervos que saem da espinhal medula ou de disfunções articulares da coluna cervical (hérnia discal cervical, síndrome das facetas interapofisárias).
Menos frequentemente o torcicolo também poderá ser secundário a uma infecção que envolva tecidos adjacentes ou estruturas do pescoço, incluindo faringite, amigdalite, sinusite, otite média, mastoidite, tuberculose, abscesso nasofaríngeo, infecções respiratórias e pneumonias do lobo pulmonar superior.
A maioria dos pacientes com torcicolo não consegue descrever o que originou os sintomas ou refere que surgiram depois de dormir numa posição desconfortável. No entanto existem actividades da vida diária, que, se realizadas de forma repetitiva, podem contribuir para um torcicolo. Estas incluem: a má postura (curvado para a frente), especialmente durante o sono ou sentado, actividades utilizando os braços à frente do corpo (como lavar pratos ou conduzir) e elevação de pesos acima da altura da cabeça. Ocasionalmente, um torcicolo pode ocorrer após um movimento trivial envolvendo flexão ou rotação do pescoço.
O torcicolo agudo desenvolve-se frequentemente durante a noite e resulta em dor e espasmos no pescoço palpáveis na manhã seguinte. Os sintomas geralmente desaparecem espontaneamente dentro de alguns dias e não duram mais do que 1-2 semanas.

Sinais e sintomas/ Diagnóstico

  • Dor e rigidez do pescoço
  • Diminuição da amplitude de movimento
  • O início é geralmente súbito.
  • O paciente apresenta-se com a cabeça inclinada para o lado afectado e o queixo apontado em direcção ao ombro oposto.

Uma história completa e exame físico são necessários para identificar as causas do torcicolo, e diagnosticar a patologia inerente a este. A faringe posterior deve ser examinada para detectar sinais de inflamação ou infecção. O pescoço deve ser palpado para identificar massas, adenopatias, ou sensibilidade localizada. Um exame neurológico completo deve ser realizado, incluindo testes de força, deficits sensoriais. Exames adicionais com a TAC ou RM poderão ser indicadas para despistar outro tipo de patologias.

Tratamento

Numa fase inicial, em que os sintomas estão bastante exacerbados o tratamento deve incluir:
Repouso no leito, numa posição que seja confortável
A aplicação de calor local ou um banho quente pode ajudar a aliviar os espasmos musculares
Medicação
Deverá aconselhar-se com o seu médico antes de iniciar qualquer medicação. Nos casos de dor persistente a medicação analgésica, quando tomada de uma forma regular durante um período determinado de tempo poderá ajudá-lo a manter-se activo.
O paracetamol é geralmente suficiente se tomado de forma regular. Para um adulto, isto significa 1000 mg (geralmente dois comprimidos de 500 mg), quatro vezes ao dia.
Analgésicos anti-inflamatórios. Poderão ser uma opção ao paracetamol. Eles incluem o ibuprofeno, o diclofenaco ou naproxeno.
Um relaxante muscular, como o diazepam é prescrito às vezes por alguns dias, se os músculos do pescoço estiverem muito tensos e desencadearem a dor.
Fisioterapia
  • Exercícios de correcção postural, como RPG e Pilates poderão ser benéficos para o alongamento progressivo da musculatura encurtada.
  • Um plano de exercícios terapêuticos deverá ser elaborado pelo seu fisioterapeuta de forma a fortalecer os músculos que suportam a coluna e estimular os estabilizadores.
  • A aplicação de calor antes dos exercícios para aumentar a irrigação sanguínea e de gelo no final para prevenir sinais inflamatórios.
  • Electroterapia: aplicação de TENS na região dos músculos encurtados, com o objectivo de controlar a inflamação e reduzir a dor.
  • Mobilização e manipulação articular, com o objectivo de realinhar a articulação e de lhe restaurar a normal mobilidade. Devem ser realizadas por profissionais experientes e apenas após a confirmação do diagnóstico.
  • Massagem de mobilização dos tecidos moles.
  • Modificar actividades e posturas de forma a manter-se activo, sem agravar os sintomas.


Exercícios terapêuticos para os torcicolos

Os seguintes exercícios são geralmente prescritos durante a reabilitação de um torcicolo. Deverá ser realizado 2 a 3 vezes por dia e apenas na condição de não causar ou aumentar os sintomas.



 

Correcção postural da cervical e ombros
Em pé ou sentado, rode os ombros para trás e para baixo, enterre o queixo e imagine que tem uma linha a puxar-lhe o topo da cabeça. Mantenha esta posição durante 20 segundos.
Repita entre 8 a 12 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.



 Posição de congruência das facetas articulares
Deitado, apoie-se nos cotovelos. Mantenha a posição durante 30 a 90 segundos. Retorne lentamente à posição inicial.
Repita entre 2 a 4 vezes, desde que não desperte nenhum sintoma.


Antes de iniciar estes exercícios você deve sempre aconselhar-se com o seu fisioterapeuta.


terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Da investigação à prática clínica, como vai a fisioterapia em Portugal.


Entrevista com:
Prof. Doutor Fernando Ribeiro

P.: O que acha da realidade da investigação em fisioterapia em Portugal?
R.: Os últimos anos têm sido profícuos no que respeita à produção científica na área da Fisioterapia em Portugal. Uma pesquisa rápida, por exemplo, na Pubmed permite localizar vários trabalhos de investigação realizados nesta área em Portugal ou em parcerias internacionais. De facto, temos hoje um número muito razoável de fisioterapeutas que regularmente publicam em revistas internacionais, com excelente fator de impacto, o produto da sua investigação. Na minha opinião, felizmente a produção de conhecimento nesta área continuará a crescer nos próximos anos na exata medida em que o número de fisioterapeutas com grau de doutor também crescerá.

P.: Para o doente nem sempre é fácil a decisão de aceitar fazer parte de uma investigação, sobretudo porque se trata da sua saúde, as dúvidas e receios são sempre redobrados. O que pode dizer aos nossos leitores que estejam nessa situação? 
Posso dizer que na investigação existe um conjunto de regras e princípios éticos que devem ser sempre observados e respeitados. Os projetos de investigação têm que ser aprovados por uma comissão de ética que é um garante da observância e promoção de padrões éticos em todas as etapas do processo científico. Para além disso, todos os projetos de investigação a envolver seres humanos devem incluir um Consentimento Informado e todas as dúvidas deverão ser esclarecidas pelo investigador. Deixe-me dar-lhe alguns exemplos: quando se solicita a participação num projeto de investigação para além das informações sobre o projeto, devem ser descritos os desconfortos e riscos prováveis, inclusivamente o tempo de duração previsto para o envolvimento do voluntário no estudo; devem ser apresentados os benefícios que podem ser esperados com a realização do projeto; devem ser esclarecidas as alternativas que existem para a sua situação clínica; deve ser assegurado que o voluntário tem o direito de não participar ou de se retirar do estudo, a qualquer momento, sem que isto represente qualquer tipo de prejuízo no seu tratamento presente ou futuro; devem ser dadas garantias de confidencialidade e privacidade às informações recolhidas; etc..... Inclusivamente as formas de ressarcimento das despesas decorrentes da participação no projeto, caso existirem, devem ser explicitadas (por exemplo, despesas de deslocação).

P.: Para terminar, algum novo projeto de investigação na calha? Ou sugestão de temas que pensa serem interessantes investigar no futuro?
R.: Presentemente, temos em curso alguns projetos financiados na área da reabilitação cardíaca e do papel do exercício terapêutico na regeneração endotelial. Temos também a firme convicção de continuar com os trabalhos que temos realizado sobre os determinantes da propriocepção articular.
A definição de temas interessantes é complexa, depende de vários fatores inclusivamente da motivação intrínseca do investigador. No entanto, não podemos ignorar que existem áreas/temas mais suscetíveis de receberem financiamento do que outras e que este também é um fator a pesar na altura de definir áreas/projetos/linhas de investigação.


Prof. Doutor Fernando Ribeiro

Docente no Instituto Politécnico de Saúde do Norte, CESPU, crl e Investigador no Centro de Investigação em Atividade Física, Saúde e Lazer da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.

Fernando Ribeiro é Licenciado em Fisioterapia, Mestre em Ciências do Desporto especialização em Atividade Física para a 3ª Idade, tendo realizado o seu Doutoramento em Atividade Física e Saúde, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto com investigação na área da reabilitação cardíaca. É atualmente investigador responsável/participante de vários projetos de investigação financiados pela FCT e QREN e pelo CITS. É revisor de várias revistas cientifica nacionais e internacionais. Desde 2007, publicou 33 artigos científicos em coautoria e 1 editorial a convite em revista com revisão entre pares, 39 resumos em revistas indexadas/atas de congressos, 2 capítulos de livros internacionais e de 61 comunicações (poster ou orais) em congressos nacionais e internacionais.  Tem experiência de ensino em cursos de pré e pós-graduação.