Mostrar mensagens com a etiqueta diferencial. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta diferencial. Mostrar todas as mensagens

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Diagnóstico Diferencial para Torcicolo Congénito: Estudo de Caso

Torcicolo é um termo geral usado para descrever uma contractura unilateral ou fibrose do músculo esternocleidomastóideo (ECM), causando inclinação lateral da cabeça para o lado da contractura. O torcicolo congénito pode apresentar-se no nascimento ou logo depois. A incidência de torcicolo congénito é de 1 em cada 250 nados vivos, frequentemente com plagiocefalia e displasia da anca como patologias concomitantes.

A etiologia do torcicolo congénito é incerta. No entanto, a bibliografia indica que um comprometimento no aporte vascular para o músculo ECM provoca a formação de tecido fibroso que resulta no encurtamento muscular.

A detecção precoce de torcicolo e início da fisioterapia estão associados a melhores resultados e uma menor incidência de alongamento cirúrgico do ECM. Se permanecerem limitações significativas na rotação cervical após 6 meses de um programa de alongamento manual, o tratamento cirúrgico é recomendado.
Os sinais clínicos de torcicolo congénito incluem:
  • Fibrose unilateral ou encurtamento do músculo ECM,
  • Flexão lateral da cabeça, e desvio do queixo para o lado contralateral com perda significativa de amplitude ativa e passiva de movimento da coluna cervical
  • Massa palpável no músculo ECM durante os primeiros 3 meses de vida, seguida de amplitude restrita de movimento do músculo ECM,
  • Mudanças morfológicas no crânio (plagiocefalia) nomeadamente a área parietal-occipital achatada, um deslocado anterior da orelha contralateral ao músculo ECM encurtado
  • Posturas compensatórias nas coluna cervical e torácica, tronco e extremidades, incluindo elevação do ombro e flexão lateral do tronco no lado afectado.

Este estudo de caso clínico descreve o diagnóstico diferencial do torcicolo congénito, os sinais clínicos associados, e os resultados clínicos da intervenção de fisioterapia numa criança que também tinha hidrocefalia.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial da causa do torcicolo é crítico para o fisioterapeuta, não apenas para confirmar que o diagnóstico correcto foi feito, mas também para garantir que o paciente tem indicação para fisioterapia.

Torcicolo congénito Vs Torcicolo congénito postural (TCP). Um paciente com TCP tem sinais que se assemelham a torcicolo congénito, mas sem massa palpável no ECM. Pacientes com TCP têm uma diminuição da capacidade de rodar ou flexionar lateralmente de forma ativa a cabeça, mas têm amplitude normal cervical de forma passiva.

Alterações da visão. Os lactentes com torcicolo ocular tendem a apresentar os sinais posturais do torcicolo, sem restrições na amplitude de movimento cervical. Pacientes com insuficiência dos músculos extra-oculares em um olho tendem a adotar uma postura de cabeça anormal, especificamente uma inclinação da cabeça, para alcançar uma visão binocular clara e evitar a diplopia.

Alterações ósseas. Incluindo subluxação de C1-C2, também conhecida como síndrome de Grisel. Infecções comuns incluem infecção respiratória superior, otite, faringit, sinusite, adenite cervical, e abcesso retrofaríngeo. Qualquer processo inflamatório na região cervical superior que irrita os músculos cervicais, nervos ou vértebras, incluindo trauma e intervenção cirúrgica, podem produzir espasmo reflexo, resultando em torcicolo.

Alterações neurológicas. Tumor da fossa posterior, siringomielia, e um tumor da medula espinhal podem causar torcicolo. Os sintomas associados a estas condições podem incluir dores de cabeça, náuseas, vómitos, e sinais neurológicos positivos. Uma avaliação neurológica completa deve ser realizada durante a avaliação inicial do fisioterapeuta, incluindo itens da Neonatal Behavioral Assessment Scale, avaliação da resposta auditiva e visual, consolabilidade, agilidade, atividade mão-boca, controlo da cabeça durante o pull-to-sit, resposta a um pano sobre o rosto, reflexo de Landau e reflexos tónicos simétricos do pescoço.

Apresentação do caso clínico

  • Bebé do sexo masculino, com 4 meses, foi encaminhado pelo seu pediatra para avaliação e tratamento para torcicolo em fisioterapia. O paciente nasceu com 38 semanas por cesariana por causa de apresentação pélvica com a cabeça voltada para a direita.
  • O peso ao nascer foi de 3Kg. A história médica era normal para problemas de visão, audição, alimentação ou refluxo.
  • O paciente apresentou-se com uma posição de cabeça assimétrica e uma inclinação da cabeça cervical esquerda.
  • A mãe do paciente notou pela primeira vez uma posição assimétrica da cabeça no nascimento, quando o bebé preferia mamar no lado direito. Ela notificou o pediatra da preferência da criança, que notou primeiro o achatamento da cabeça e, em seguida, a posição da cabeça assimétrica quando tinha 2 meses de idade.
  • A mãe do paciente relatou que a posição da cabeça assimétrica tinha aumentado desde o nascimento.
  • No exame em fisioterapia utilizou-se a Alberta Infant Motor Scale. O paciente estava no percentil 10 com base na sua idade cronológica.
  • Foram notadas assimetrias cranianas quando visto de cima com achatamento posterior direito do crânio. A orelha direita estava mais anterior do que a esquerda. As características faciais estavam simétricas.
  • A criança posicionava a cabeça e o pescoço numa postura assimétrica quando em prono, supino, sentado suportado e apoiado de pé. Assimetrias posturais incluíam rotação do queixo para a direita, o ombro esquerdo mais alto do que o direito, e tronco inclinando-se de lado para a direita.
  • Quando na posição de bruços, ele foi capaz de levantar a cabeça apenas um pouco fora da superfície de apoio. Na posição prona, conseguiu virar a cabeça 90º para a direita e 15º para a esquerda.
  • A manobra de Ortolani foi negativa.
  • A palpação do corpo músculo ECM esquerdo revelou um aumento da tensão quando colocado sobre estiramento leve. Apesar de não haver massa palpável no músculo ECM esquerdo, havia um feixe muscular mais tenso no músculo, e restrições de tecidos moles.
  • As dobras cutâneas cervicais eram assimétricas com aumento de dobras da pele e vermelhidão no lado esquerdo do pescoço. O alongamento passivo de flexão cervical lateral pareceu causar dor por causa da tensão sobre a pele.

Com base no exame e avaliação, revisão da literatura, e diagnóstico diferencial, foi confirmado o diagnóstico de torcicolo congénito.

Tratamento

Muitos fatores devem ser pesados para determinar o plano de tratamento mais eficiente e eficaz para uma criança com torcicolo congénito:
  • A idade da criança,
  • A gravidade do torcicolo, 
  • A presença de plagiocefalia, 
  • Alterações neuromusculares ou ortopédicas, 
  • A habilidade dos pais para realizar os exercícios de reposicionamento. 

Em geral, a intervenção deve concentrar-se em normalizar a amplitude de movimento na região cervical, o tratamento de desequilíbrios dos ECM e minimizar a assimetria na espontânea posicional e no movimento.
  • Este paciente foi visto, uma vez por semana durante 45 a 60 minutos por tratamento até aos 11 meses de idade.
  • Durante os 6 meses de fisioterapia a intervenção consistiu em técnicas manuais suaves de alongamento cervical em flexão lateral direita e rotação esquerda, exercícios de flexão lateral passiva da cervical, técnicas de fortalecimento dos músculos da cervical e de facilitação neuromuscular proprioceptiva.
  • Inicialmente, a criança só tolerava 30 segundos de alongamento, progredindo para 2 a 3 minutos com uma intensidade baixa para evitar trauma às estruturas de colagénio e sem provocar dor.
  • Foram utilizadas as técnicas de facilitação neuromuscular para auxiliar o paciente no desenvolvimento de habilidades motoras adequadas à idade. O paciente foi incentivado a assumir e manter uma posição de bruços nos cotovelos, com a cabeça até 90º em extensão e na linha média com o tronco.
  • O paciente foi ensinado a rolar de supino para prono e de prono para supino, de lado para sentado.
  • A massagem também foi utilizada de forma intermitente durante o tratamento. Principalmente para a musculatura cervical esquerda (ECM, trapézio superior, elevador da escápula e paraespinhais) e do tecido subcutâneo.

Por causa das assimetrias craniofaciais severas e da alteração da forma da cabeça, foi prescrito um aparelho ortopédico (um capacete) para modificar o formato da cabeça através de um processo de remodelação natural.

O principal objetivo da órtese craniana é incentivar a remodelação da cabeça deformada ao deixar espaço suficiente no capacete em áreas achatadas e colocar pressão sobre outras áreas para promover a simetria. O paciente tinha um capacete de moldagem durante o primeiro mês de intervenção em fisioterapia. A mãe relatou que ele usava o capacete aproximadamente 23horas por dia.

Um programa de exercícios para casa (PEC) foi incorporado às rotinas da família e incluiu maneiras de lidar, alimentar, transportar e posicionar o paciente; atividades para incentivar a posição da cabeça na linha média e postura do tronco e cervical, para além de movimentos suaves ativos e passivos para manter a amplitude de movimento conquistada durante os tratamentos. O PEC é crucial para as crianças com torcicolo e A adesão dos pais ao programa é vital para a obtenção de bons resultados.

Resultados


Conclusões

Embora a fisiopatologia e etiologia do torcicolo sejam ainda desconhecidas, o encurtamento unilateral e fibrose do músculo ECM são aparentes durante a infância e um bom indicador clínico da patologia. A plagiocefalia é vulgarmente associada a torcicolo congénito.

O exame inicial de fisioterapia deve concentrar-se no diagnóstico diferencial para auxiliar o médico na exclusão de outros diagnósticos concorrentes, como torcicolo congénito postural, alterações oculares, alterações ósseas e neurológicas.

O tratamento em fisioterapia deve incluir técnicas de posicionamento, mobilização suave, atividades de fortalecimento e um PEC.

Um dos principais objetivos do fisioterapeuta para esta população é para evitar assimetria facial e craniana, limitações na amplitude de movimento cervical e compensações posturais de longo prazo.


A severidade das restrições de rotação do pescoço, a presença de uma massa palpável, e idade aquando tratamento inicial são variáveis que afetam os resultados da intervenção do fisioterapeuta.



Gray GM, Tasso KH. Differential diagnosis of torticollis: a case report. Pediatr Phys Ther. 2009 Winter;21(4):369-74.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Diagnóstico Diferencial e tratamento de um paciente com suspeita de tenossinovite de De Quervain – estudo de caso clínico

Embora pareça implicar uma etiologia inflamatória, a histopatologia da tenossinovite de De Quervain é geralmente caracterizada por fibrose e metaplasia fibrocartilaginosa que leva ao espessamento do retináculo extensor sem existirem achados inflamatórios.

Pensa-se que a causa dos sintomas esteja então associada à alteração no deslizamento dos tendões abdutor longo do polegar e extensor curto do polegar, dentro do retináculo extensor estenosado.

Estudos epidemiológicos têm demonstrado uma prevalência de 8% de tenossinovite de De Quervain em trabalhadores industriais. Noutro estudo com 485 pacientes com lesões músculo-esqueléticas no membro superior, principalmente de usuários de computador e músicos, 22% foram diagnosticados com a síndrome de De Quervain, 17% à direita e 5% à esquerda.


No diagnóstico diferencial do paciente com dor na face radial do punho é importante, para além da tenossinovite de De Quervain, considerar uma possível neuropatia por encarceramento do nervo radial superficial.

Depois de atravessar o cotovelo, o nervo radial divide-se e forma o nervo interósseo posterior e o ramo sensorial superficial do nervo radial, que fornece a sensação ao aspecto radial do antebraço e punho. No terço proximal do antebraço, o nervo passa entre os tendões do extensor radial curto do carpo e do braquiorradial que podem, durante a pronação, comprometer mecanicamente o nervo radial. No início do terço inferior do antebraço, o nervo atravessa o abdutor longo e extensor curto do polegar e continua na direção da mão entre o primeiro e terceiro compartimentos dorsais, dividindo-se nos seus ramos terminais. 

Para além do possível compromisso durante a acção dos tendões, um traumatismo aos tecidos no punho pode também afetar as estruturas neurais locais, deixando o nervo envolto em tecido fibroso cicatricial e tornando-o excessivamente sensível a estimulação química e mecânica.

Considerando estas duas etiologias, o objetivo deste estudo de caso é descrever o diagnóstico fisioterapêutico e o tratamento de um paciente com dor na face radial do punho.

Apresentação do caso clínico

  • Paciente masculino de 57 anos, 172 cm de altura e 98 kg, mão direita dominante, e trabalhava como empregado de balcão. Veio a consulta por dor e rigidez no lado radial do pulso direito, com inicio insidioso, há seis meses.
  • Três meses após o início dos sintomas o paciente consultou pela primeira vez o médico de família, que diagnosticou síndrome de De Quervain e iniciaram o tratamento com medicamentos anti-inflamatórios não esteróides. Numa consulta de acompanhamento, uma semana depois, o clínico geral receitou uma tala curta que imobilizou o polegar em posição neutra e o polegar em abdução. O paciente ficou de baixa médica.
  • Uma primeira série de seis semanas de fisioterapia foi iniciada cerca de 1 mês depois, consistindo na aplicação de laser, ultra-som, estimulação elétrica nervosa transcutânea e diatermia. O paciente relatou que esta abordagem não alterou os seus sintomas ou melhorou a sua função.
  • O paciente apresentou-se nesta clínica cerca de 6 meses após o início dos sintomas. Estava a tomar anti-inflamatórios não esteróides e relatou dor constante na face radial do punho direito durante as atividades de trabalho.
  • A intensidade da dor aumentou com os movimentos repetitivos no trabalho e com o carregar de garrafas de um armazém para o bar. Embora a dor fosse geralmente em queimação, o paciente também relatou dor aguda tipo choque elétrico quando tentava levantar embalagens de várias garrafas e ao tentar virar o punho para encher bebidas.
  • A dor reduzia quando em descanso e com a tala. Qualquer atividade sem a tala resultava num aumento imediato da dor.
  • O paciente classificou a sua dor atual em repouso em 5,4/10. Decidiu-se utilizar a capacidade de executar 2 tarefas para medir a evolução do paciente (pegar em caixas de bebidas e virar o punho para encher bebidas), a primeira o paciente relatou um 2.9/10 e na segunda um 3,1/10.

Avaliação
  • Foi avaliada primeiro a cervical, o ombro e o cotovelo para excluí-los como possíveis origens do problema. Nenhum dos testes reproduziu os sintomas. Foram também testados a amplitude ativa de movimento e movimentos acessórios do punho que, pelos resultados, pareceram descartar uma disfunção deste conjunto articular.
  • O teste de Finkelstein ao punho direito foi positivo. Os sintomas de dor em queimação foram reproduzidos pela flexão passiva do polegar, combinado com desvio cubital do carpo.
  • Nos seus estudos sobre neurodinâmica, Butler relatou que o teste de Finkelstein deve ser considerado um meio de avaliação tanto para a síndrome de De Quervain como para lesão por encarceramento do ramo sensorial superficial do nervo radial.
  • No teste de tensão neural do nervo radial, alterado com o objetivo de testar o ramo sensorial superficial do nervo radial (ULNT2b), desenvolvido por Butler, o paciente relatou um aumento da dor em queimação e choque elétrico na face radial no punho.
  • Os movimentos de sensibilização (depressão do ombro e inclinação contralateral da cervical) aumentaram ainda mais os sintomas.

Assim, neste paciente, o aumento dos sintomas secundário às manobras de sensibilização levou os autores deste estudo a optarem pelo diagnóstico de neuropatia do ramo superficial sensorial do nervo radial, em oposição a uma síndrome de De Quervain, na qual seria pouco provável que estas mesmas manobras tivessem mudado a natureza e a intensidade dos sintomas.

Tratamento

  • Na primeira visita após o exame, o terapeuta educou o paciente sobre os resultados da avaliação clínica e propôs o plano global de cuidados.
  • A intervenção nesta primeira visita consistiu em técnicas de deslizamento neural passivo para o nervo radial, especificamente direccionadas para o ramo sensorial superficial do nervo pela adição de desvio cubital do punho e flexão do polegar durante a técnica. Esta técnica foi realizada durante 15 a 20 minutos, em 4 séries de 5 minutos cada, com um descanso de 1 minuto entre as séries. A amplitude e a velocidade do movimento foram ajustadas de tal modo que nenhuma dor foi produzida.
  • O doente recebeu um exercício auto-mobilização do nervo para fazer em casa. Foi instruído a executar este exercício 3x/dia, 10 repetições de cada vez, novamente com uma velocidade e amplitude de tal forma que nenhuma dor fosse produzida. 
  • Na 2ª visita, quatro dias depois, o paciente relatou melhoria acentuada. O tratamento consistiu em 5 séries (abaixo do limiar de dor) de 3 a 5 minutos de deslizamentos do ramo sensorial superficial do nervo radial, num total de 25 minutos. Manteve-se o exercício para casa.
  • No início da 3ª visita, uma semana depois da visita inicial, o paciente relatou a resolução completa dos sintomas. Tinha parado de tomar o medicamento anti-inflamatório não esteróide e pretendia começar a trabalhar a tempo integral na próxima semana. 
  • Mais três acompanhamentos (1, 3 e 6 meses após a alta), sem tratamento, foram programados apenas para avaliar a evolução do quadro clínico e funcional do paciente. 


Conclusão


Este estudo de caso clínico descreve o diagnóstico e tratamento de um paciente com dor crónica na face radial do punho e previamente resistente à terapêutica inicialmente proposta para um diagnóstico de síndrome de De Quervain
O exame clínico levou à hipótese de um diagnóstico de neuropatia do ramo sensorial superficial do nervo radial. 

O tratamento de fisioterapia consistiu em técnicas neurodinâmicas, e o paciente apresentou uma resolução completa dos sintomas e retorno pleno ao trabalho depois de apenas duas sessões de tratamento ao longo de 7 dias. 

Apesar da relação causa-efeito não poder ser estabelecida, este estudo de caso parece indicar que, em pacientes com dor na face radial do punho, a neuropatia do ramo sensorial superficial do nervo radial deve ser considerada durante o diagnóstico diferencial. 
Futuras investigações devem incluir a avaliação das propriedades psicométricas dos testes utilizados no diagnóstico clínico. Para além disso, é necessário um padrão de diagnóstico claro para as várias condições que podem causar dor na face radial do punho.


González-Iglesias J, Huijbregts P, Fernández-de-Las-Peñas C, Cleland JA. Differential diagnosis and physical therapy management of a patient with radial wrist pain of 6 months' duration: a case. J Orthop Sports Phys Ther. 2010 Jun;40(6):361-8

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Dor no ombro: diagnóstico diferencial - Estudo de caso clínico

Depois das dores na coluna, as dores no ombro são a queixa mais comum relacionada com a sistema osteomuscular. Há evidências de que a dor no ombro é frequentemente recorrente e persistente. 

O diagnóstico diferencial entre disfunções do ombro e disfunções da cervical que causam dor no ombro é importante não só para estudos epidemiológicos, mas também para melhorar o tratamento direcionado e o respetivo prognóstico.

No entanto os testes clínicos para fazer um diagnóstico no ombro não têm bons níveis de confiabilidade ou validade e, para além disso, o valor dos exames de imagem é questionável, comummente se vêm ruturas na coifa dos rotadores que são completamente assintomáticas.

Por isso, tem-se recomendado que estes rótulos diagnósticos sejam abandonados, e, ao invés, os pacientes sejam classificados de acordo com a resposta ao tratamento e às características clínicas comuns.
O Método McKenzie de Diagnóstico e Terapia Mecânica (MDT) utiliza a postura e movimentos repetidos próximos do final da amplitude de movimento, enquanto monitoriza os sintomas e respostas mecânicas, para classificar os pacientes em uma de três síndromes mecânicas: desarranjo, disfunção ou síndrome postural, ou “outro” se não se encaixa nas definições operacionais de uma das síndromes mecânicas.

A fiabilidade do sistema McKenzie tem sido considerada como moderada a boa para os problemas da coluna vertebral e a validade de prognóstico apresenta altos níveis de confiabilidade.
O objetivo deste estudo de caso é demonstrar como um paciente com, aparentemente, um problema no ombro, quando avaliado através do método MDT, respondeu a movimentos repetidos na coluna cervical.

Apresentação de caso clínico

  • Um paciente do sexo masculino de 47 anos de idade foi encaminhado pelo seu médico de família com um histórico de 4 meses de dor intermitente no ombro esquerdo que tinha vindo a melhorar, mas ainda havia dor consistente na elevação do ombro a mais de 90º, pior com abdução do que com flexão. Tinha sido o primeiro episódio do género e os sintomas começaram sem motivo aparente.
  • O paciente trabalhava como técnico de ar condicionado. A única atividade de lazer era assistir televisão, cerca 4h todas as noites, “relaxado” no sofá.
  • A sua única limitação funcional era levantar pesos moderados a pesados devido à dor no ombro.
  • Na primeira avaliação foram obtidos os seguintes resultados: 4/22 na Shoulder Disability Score; 45/60 na Oxford Shoulder function score; 5/10 na escala visual analógica.
  • Os sintomas eram piores à noite e ao levantar pesos e aliviavam com o repouso, spray analgésico e compressas quentes.
  • Uma RM recente relatou uma rutura completa do tendão subescapular, uma hipertrofia e alterações císticas no troquino, espessamento dos tecidos moles com sinovite no intervalo da coifa dos rotadores, tendinose do infra e supra-espinhoso com alterações atróficas no infraespinhoso.
  • Na avaliação física o paciente apresentava uma má postura em sentado e em pé, com uma lordose excessiva da coluna lombar, cabeça projectada para a frente e ombros rodados à frente.
  • Apresentava amplitude de movimento completa, ativa e passiva, de flexão do ombro, abdução e rotação medial e lateral. Na abdução e flexão para além de 90º houve dor, assim como na rotação medial e lateral, embora menor e só no final de amplitude. A Abdução ativa foi o movimento mais sintomático. A força estava preservada.
  • Foram testados movimentos repetidos em posição vertical para verificar se existia um padrão consistente que reproduzisse os sintomas. Como a abdução ativa foi a mais sintomática foi primeira a ser testada.
  • Duas séries de 10 repetições produziram dor que se manteve após o teste. A flexão repetida aumentou ainda mais os sintomas, que se mantiveram piores. Não foi encontrado nenhum movimento que diminuísse os sintomas, nem houve qualquer mudança no padrão da dor.
  • Era nesta fase claro que os sintomas eram afectados pela carga, mas nenhum padrão claro foi encontrado e o padrão de dor não podia ser classificado em qualquer das síndromes mecânicas de MDT nesta fase.
  • Na avaliação seguinte foi testada a coluna cervical. Para permitir uma maior amplitude de movimento foi demonstrado ao paciente como restaurar a lordose lombar e retrair a cabeça. Esta posição aboliu os sintomas agravados pelo teste de movimento repetido do ombro. O teste inicial da cervical mostrou uma perda moderada de retração e extensão, mas sem perda de quaisquer outros movimentos cervicais.
  • Na cervical não houve sintomas antes do teste de movimentos repetidos. A protração repetida da cervical produziu a dor no ombro, que se manteve pior depois do teste. A retração repetida aboliu a dor no ombro, e ao final de mais repetições a dor durante a abdução desapareceu, o que demonstrou uma preferência direccional na coluna cervical.


Tratamento

  • A classificação provisória foi desarranjo cervical. O paciente foi educado no sentido de manter uma boa postura, com a utilização de um rolo lombar, e foi convidado a realizar repetições de 10-12 retrações a cada hora, evitando também posturas provocativas.


  • Vinte e quatro horas mais tarde, o paciente confirmou a realização dos exercícios. Relatou que não sentia dor com o movimento do ombro além dos 90º, mas para além dos 120º tinha uma dor 5/10, mas que desaparecia após o exercício.
  • Após retração repetida com sobrepressão por parte do paciente a dor na abdução para além dos 120º era 2/10. A classificação de desarranjo cervical foi assim confirmada.
  • Na avaliação seguinte, 48h depois, havia dor mínima no final de amplitude de abdução. Assim, foi introduzida a retracção e extensão cervical.
  • Após 10 dias, os resultados foram avaliados por outro fisioterapeuta que não havia sido envolvido no tratamento: 0/22 na Shoulder Disability Score; 55/60 na Oxford Shoulder function score; 0/10 na escala visual analógica.
  • O paciente relatou estar satisfeito e, durante os últimos 10 dias, tinha levantado pesos sem dor. Não houve sintomas em repouso, nem durante o movimento.
  • O paciente foi orientado a prosseguir com as retrações repetidas, incluindo extensão da cervical até ao final de amplitude de movimento.
  • O follow up seguinte foi feito por telefone, depois de um mês, e o paciente encontrava-se assintomático naquele momento. No último follow up, um ano depois da primeira avaliação, o paciente mantinha-se assintomático, mas continuou a fazer os exercícios em alturas em que sentiu maior rigidez ou desconforto.


Conclusão


Este estudo de caso destaca a importância de diferenciar dor no ombro que tem origem no ombro de dor referida com origem na cervical. Este estudo suporta ainda a utilidade clínica da avaliação segundo McKenzie como uma abordagem para fazer este diagnóstico diferencial e respetivo tratamento


Menon A, May S. Shoulder pain: differential diagnosis with mechanical diagnosis and therapy extremity assessment - a case report. Man Ther. 2013 Aug;18(4):354-7.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Síndrome de compressão anterior do nervo peronial - estudo de caso clínico


Este estudo de caso surge no contexto da observação clínica do autor, que identificou muitas vezes ao longo dos anos um conjunto de sintomas (síndrome) dolorosos no joelho replicado em vários indivíduos, e confundido frequentemente com a tendinopatia do rotuliano.

O autor propõe que esta nova síndrome deve ser considerada como uma entidade própria, havendo a necessidade de um diagnóstico diferencial específico desta condição clínica.

De seguida apresenta um dos casos clínicos revistos, assim como a proposta e justificação para o diagnóstico diferencial, e a sugestão de tratamento.

Apresentação do Caso Clínico

  • Um jovem de 28 anos, carpinteiro.
  • Veio a consulta por dor no tendão rotuliano.
  • Não foi referido por médico.
  • A dor, embora não fosse grave o suficiente para o impedir de trabalhar, praticar desporto ou fazer as suas atividades diárias, era muito irritante para o paciente
  • Começou há um ano, sem qualquer trauma, ao subir umas escadas, e localiza-se no bordo lateral e proximal do tendão rotuliano
  • Neste caso específico, não foi relatada nenhuma outra dor.
Observou-se no exame físico:
  • Aumento do tónus do músculo peroneal
  • Restrição da neurodinâmica nervo peroneal (Butler, 2005)
  • Subluxação dorsal do osso cubóide, tal como descrito por Mooney e Maffey-Ward (1994).

O tratamento inicial consistiu em:
  • Uma manipulação no sentido plantar do cubóide.

  • Não foi sentida hipomobilidade ou hipermobilidade após a manipulação.
  • Os testes de neurodinâmica estavam agora simétricos em ambas as pernas.
  • Mas ainda havia um ligeiro aumento do tónus dos músculos peroniais. Portanto, o paciente aprendeu a alongar os músculos peroniais.
  • Imediatamente após o tratamento, o paciente não sentia qualquer dor a subir as escadas.
  • A conversa telefónica com o paciente, 3 meses mais tarde, revelou que ele tinha ficado livre de dor após o tratamento.

Quando há dor normalmente associada a um diagnóstico provisório de tendinopatia rotuliana, e se verifica uma melhoria imediata e mantida após esta manipulação torna o diagnóstico de tendinopatia rotuliana menos provável. Em contraste, a síndrome de compressão anterior do nervo peronial, tal como apresentada no presente caso, é o diagnóstico mais provável.

Apresentação típica deste tipo de paciente

  • Quando consultado por um médico, o paciente geralmente apresenta-se com um diagnóstico de tendinite, tendinose, ou tendinopatia rotuliana.
  • A dor é geralmente descrita como uma sensação de queimação localizada sobre a face lateral tendão rotuliano, às vezes irradiando para os músculos peroniais.
  • Os sintomas são geralmente intermitentes e agravados por atividades físicas, principalmente ao correr e, por vezes, subir e descer escadas.
  • O alongamento em flexão plantar com inversão também pode agravar os sintomas.
  • O paciente pode ter tentado outros regimes de tratamento, incluindo anti-inflamatórios não-esteróides, exercícios de fortalecimento excêntrico, terapia de ultra-som e massagem de fricção transversal, mas obtêm apenas uma melhoria temporária e limitada.
  • Finalmente, não há geralmente perda de sensação ou parestesia.


Embora um pouco de dor possa ser reproduzida por palpação noutros lugares ao redor do bordo lateral da inserção proximal do tendão rotuliano a dor associada a esta síndrome é sempre reprodutível precisamente nessa área específica, por palpação.
Esta parece ser a característica mais saliente. Em contrapartida, no caso da tendinopatia rotuliana, a dor não é especificamente desencadeada por palpação do aspecto lateral do tendão.
O médico vai notar um tónus muscular aumentado no compartimento lateral a perna.
Normalmente a neurodinâmica (Butler, 2000) do nervo peronial encontra-se alterada.
Não há nenhuma sensação ou perda motora, reflexos osteotendinosos estão normais, os testes ligamentares e meniscais estão também normais, eversão resistida e flexão plantar sobrepressão são, por vezes, dolorosos
Os resultados dos movimentos acessórios irão revelar uma das seguintes opções: 
  • Subluxação tibioperonial superior 
  • Subluxação tibioperonial inferior 
  • Subluxação do cubóide sem direção preferencial de subluxação.

No geral, a articulação tibioperonial inferior parece ser a menos frequentemente afetada.

Assim, nesta síndrome temos sempre uma tríade de sintomas:
  1. Um ponto doloroso exacto, bordo lateral da inserção proximal do tendão rotuliano,
  2. Hipertonicidade muscular peronial,
  3. Algum grau de subluxação tibioperonial ou do cubóide, baseado na avaliação de movimentos acessórios e testes fisiológicos passivos descritos por Maitland e Kaltenborn.

Tratamento

  • O tratamento inicial consiste numa manipulação de alta velocidade de pouca amplitude da articulação subluxada, reavaliando a mobilidade articular após manipulação. O tónus muscular peronial será sempre menor após uma manipulação com sucesso.
  • Se houver dor ao caminhar ou subir escadas, o efeito é geralmente imediato, e a atividade será agora indo
  • lor ou subjetivamente muito melhor. A manipulação do cubóide e articulações tibioperoniais estão descritas na literatura referenciada.
  • Se o movimento ultrapassar os limites anatómicos após a manipulação normal, então deve ser aplicada ligadura com tape de suporte.
  • Exercícios de neurodinâmica também são ensinados ao paciente para garantir a mobilidade normal das estruturas neurais.
O foco nas próximas sessões do tratamento será restaurar a mobilidade normal articular, tónus muscular peronial normal, neurodinâmica normal, e eliminar qualquer dor residual no tendão rotuliano.
Normalmente, tudo já está normalizado na segunda visita. No entanto, mobilização articular, exercícios de alongamento muscular e neurodinâmico podem ainda ser necessários.

Geralmente, o tratamento é altamente eficaz, mas se houver dor persistente mesmo depois do tratamento descrito em seguida, existe a possibilidade de haver uma tendinopatia real. O regime de tratamento deve, então, ser alterado em conformidade, sendo fundamental o fortalecimento excêntrico do quadricípite.

Conclusão

Após uma nova síndrome de dor ter sido descrita, bem como uma proposta de tratamento, e a razão do diagnóstico diferencial para tendinopatia rotuliana, muitos entusiastas de desporto poderão beneficiar com este diagnóstico. 

Se identificada corretamente, o tratamento pode ser direcionado para as estruturas corretas com as modalidades de tratamento adequadas, que garantam aos pacientes um rápido retorno às suas ocupações anteriores, sem dor e sem tratamentos indevidos.

Investigações futuras devem envolver outros fisioterapeutas testando a tríade de sintomas proposta dentro de um grupo de pacientes diagnosticados com tendinopatia rotuliana, a fim de identificar que percentagem desses pacientes corresponde os critérios apresentados neste trabalho, bem como a eficácia relativa da proposta de tratamento, em comparação com um grupo de controlo, que tornem possível constatar a existência da síndrome sugerida.


Rousseau E. The anterior recurrent peroneal nerve entrapment syndrome: A patellar tendinopathy differential diagnosis case report. Man Ther. 2012 Oct 24.