terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O joelho visto ao pormenor. O olhar do especialista. - parte 1

Entrevista com:
Prof. Doutor José Carlos Noronha

P.: Na articulação do joelho concentram-se uma série de lesões relativamente frequentes (artrose do joelho, ruturas de ligamentos cruzados, lesões dos meniscos). Pode, em linhas gerais, explicar-nos o porquê do joelho, comparativamente a outras articulações, ser tão acometido por lesões?

R.: O ser humano evoluiu ao longo de milhões de anos, passando a caminhar apoiado apenas em dois membros. O joelho é uma articulação que não estava adaptada a esse tipo de marcha.
O joelho tem praticamente só um grau de mobilidade, que é a flexão/extensão, a rotação é relativamente pequena. Com as atividades que acentuam a necessidade de rotação do joelho surgem as lesões meniscais e ligamentares, tanto mais quanto maior o incentivo ao desporto que tem sido dado.

Um joelho com lesões meniscais, ligamentares ou cartilagíneas predispõe o aparecimento de uma artrose, embora com uma variação individual, pois há cerca de 25% de hereditariedade nesses processos artrosicos. As lesões traumáticas também predispõem o surgimento de uma artrose. Por exemplo uma meniscectomia extensa sobrecarrega imenso a articulação e a artrose, num grau que é variável, mais cedo ou mais tarde será inevitável.



P.: A artrose do joelho é realmente um problema que afeta imensas pessoas, pode explicar-nos as soluções terapêuticas disponíveis para esta patologia?

R.: Uma vez instituída a artrose, há que saber que tipo de artrose é, se está num joelho com o alinhamento correto, ou que sofre de varo/valgo excessivo, que poderão ser corrigidos quer por meio cirúrgico, quer pela utilização de talas ou adaptação de solas do calçado, nomeadamente a elevação do bordo externo do pé numa artrose femuro-tibial interna (com um varo). Está provado que isto descarrega de forma apreciável este compartimento e, por vezes, associado a outros tipos de tratamento como a fisioterapia (no caso do joelho varo, um reforço do vasto externo), a utilização de calçado macio, a alteração de alguns hábitos de vida, nomeadamente desportivos, conduzem muitas vezes a um alivio sintomático apreciável.
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Uma situação que penso ser de referir é que nem sempre há uma relação nítida entre a degradação da imagem que se vê no raio-x e a dor, o que leva a querer que há um fator químico associado, muitas vezes na prática clínica observamos raios-x extramente degradados em pacientes com muito pouca sintomatologia e, pelo contrário, formas iniciais de artrose extremamente dolorosas. Os mediadores pró-inflamatórios existentes, nomeadamente as interleucinas, catepsinas, fatores de necrose tumoral e metaloproteinases são causadores de um processo inflamatório que agrava a sintomatologia e a degradação da própria cartilagem, pelo que não só a utilização dos anti-inflamatórios, mas sim dos inibidores dessa inflamação, inibidores como a diacerina, tem um papel muito importante no controlo do processo inflamatório.

Relativamente aos atos médicos, existem as lavagens artroscópicas, mas com resultados pouco duradouros pois o seu benefício resulta fundamentalmente da lavagem dos detritos que existem dentro do joelho e que causam inflamação, que eventualmente poderão ser prolongados com a utilização de ácido hialurónico e, duvidosamente, com a utilização de fatores de crescimento plasmático.

Em fases terminais, muito incapacitantes, há a artroplastia total do joelho, e outras medidas, mais conservadoras, como o realinhamento do joelho com as osteotomias.



P.: A prática desportiva fora de clubes é uma realidade cada vez mais significativa do panorama desportivo nacional (corredores, ciclistas, tenistas, golfistas). Muitas vezes, o acompanhamento médico nestes casos é escasso ou inexistente. Pode dar-nos alguns sinais de alerta (no caso do joelho) a que o atleta deve estar atento e que o devem levar a recorrer a um profissional médico?

A dor é o principal sintoma de alarme. Uma dor incapacitante e com relativa frequência associada a determinado tipo de exercício, pressupõe uma sobrecarga para essa articulação, para essa pessoa. Isso deve merecer a consulta de um ortopedista, fisiatra ou clínico geral, para tentar adaptar esse tipo de exercício a essa pessoa.

Uma situação que se vê com relativa frequência é a prática desportiva em ginásio, onde são frequentes as lesões, nomeadamente as femuro-rotulianas devido à elevação de pesos em exercícios como o leg-extention, isto é altamente condenável quando se entra na elevação de pesos muito acentuados, pois a rótula não foi “desenhada” para esse tipo de cargas. A rótula serve de braço de alavanca para o quadricipete e não para suportar pressões que chegam a atingir os 200kg por cm2. A prensa é um outro aparelho que leva por vezes a cargas excessivas, muitas vezes pela ideia errada de que mais peso cria mais músculo, sem que haja a noção de que isto irá degradar uma articulação que por vezes não terá depois solução terapêutica, conduzindo a incapacidades significativas. 

Em resumo, nos ginásios a elevação de pesos, nomeadamente no leg extention e na prensa devem ser feitos com muita moderação, mais frequentemente com pesos baixos e várias repetições do que com cargas muito elevadas.


Pode ler aqui a segunda parte desta entrevista.



Prof. Doutor José Carlos Noronha

Licenciado em Medicina pela Universidade de Coimbra
Especialista em Ortopedia pelo Hospital de Santo António – Porto
Doutorado pela Universidade do Porto – título da tese “Isometria na Reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior”
Autor de 3 livros e 1 CD-Rom sobre lesões ligamentares do joelho
Investigador da Universidade de Aveiro
Cirurgião da equipa principal de futebol do Futebol Clube do Porto
Coordenador Médico da Gestifute
Ortopedista no Hospital da Trindade



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