Prof. Doutor
José Carlos Noronha
P.: O Doutor é reconhecido pelo seu trabalho com atletas de elite,
nomeadamente no acompanhamento de lesões do joelho. Pode falar-nos um pouco
sobre a rutura do ligamento cruzado anterior do joelho?
R.: Na rotura de ligamentos do
joelho, o ligamento mais lesado é o colateral medial (ou lateral interno), mas
a lesão grave mais frequente é a do ligamento cruzado anterior, muito frequente
em atletas, que nem sempre tem indicação operatória.
Quando se é relativamente novo, 30-35 anos, e se pretende manter uma atividade desportiva que solicite a rotação do joelho, como o futebol, andebol, basquetebol, volei, rugbi, justificar-se-á a reconstrução ligamentar. Em pessoas que pratiquem desportos que não solicitem tanto a rotação do joelho, como o ski ou o ténis, um tratamento fisiátrico bem orientado permite geralmente o retorno a esse tipo de desportos sem que haja necessidade de operar.
Em resumo, rotura do ligamento cruzado anterior não é igual a reconstrução desse ligamento, intervenção cirúrgica que não está isenta de efeitos secundários, nomeadamente a predisposição para a artrose, pois é uma agressão à articulação e se associadas existirem lesões cartilagíneas ou meniscais irreparáveis a evolução para a artrose é nítida e por vezes bastante rápida, particularmente se se continuar a solicitar esse joelho de modo intensivo no desporto.
Numa nota final é importante referir que os protocolos de recuperação acelerada após a ligamentoplastia do ligamento cruzado anterior estão a ser cada vez mais abandonados porque estão a ser correlacionados com degradação do ligamento e rotura ou distensão precoce, que levam a uma segunda cirurgia ou ao abandono da prática desportiva. O ligamento só atinge maturidade cerca dos 15-24 meses, pelo que antes dos 6 meses, que é o mínimo exigível para ter alguma resistência é condenável a permissão ao regresso desportivo sem limitações. Começa a propor-se entre 8-10 meses para que o ligamento atinga a maturidade e resistência suficientes para permitir uma prática desportiva sem limitação.
P.: Recentemente o Doutor tem utilizado uma nova técnica
na cirurgia de prótese do joelho que tem melhorado significativamente o
prognóstico de reabilitação e diminuído a necessidade de cirurgia de revisão.
Pode explicar-nos de modo geral, quais as diferenças comparativamente à técnica
que se aplicava anteriormente?
R.: A artroplastia do joelho é o
último recurso para uma artrose evoluída do joelho. Tal como disse há pouco há
joelhos extremamente degradados, mas não se devem operar doentes unicamente pela
imagem obtida por raio-x. Há que ver o conjunto de queixas e de imagens e a
prótese só deve ter lugar após o fracasso de todas as outras medidas
conservadoras, desde a fisiátrica à medicamentosa, à alteração dos hábitos de
vida, etc.
Mas quando a artroplastia do joelho tem indicação o ideal, sendo uma cirurgia com risco de infecção não desprezível (ronda os 5%), deve ser o menos agressiva e o mais rápida possível. Neste sentido, já desde há alguns anos é possível, através de uma TAC ou RM, enviar as imagens obtidas nestes exames para alguns fabricantes de próteses, neste caso nos EUA e Suíça, que enviam, cerca de três semanas depois, um molde com o tamanho natural do joelho que foi estudado e com os moldes de corte, isto permite que não se façam perfurações do canal femural e tibial que são causa de maior sangramento, aumento de dor e maior risco de trombo-embolismo. Os cortes feitos são muito mais perfeitos e a cirurgia é muito mais rápida, tendo menor risco de infeção, pois a cirurgia demora cerca de 20 minutos menos que a original.
P.: Para terminar, algum novo projeto de investigação na
calha? Ou sugestão de temas que pensa serem interessantes investigar no futuro?
R.: Em termos ortopédicos o
grande desafio é a cartilagem. A engenharia de tecidos é que tem estado
envolvida nesta área, embora, mesmo já decorridos muitos anos, ainda se esteja
numa fase experimental. Têm-se tentado retirar células mesenquimatosas a partir
do osso do ilíaco, da gordura e do músculo, fatores de crescimento plasmáticos
autólogos, associados a retrovírus e adenovírus para lhe prolongar a atuação e
eficácia, de qualquer forma grande parte desses estudos têm sido feitos
in-vitro, e os resultados dos estudos feitos in-vivo, em animais, nem sempre
são coincidentes com os resultados obtidos no ser humano. De qualquer modo, a
engenharia de tecidos, não só a nível de cartilagem, como de menisco e
ligamentos são uma certeza concreta num futuro que se espera recente e que virá
com certeza modificar o caminho da ortopedia. Há referências mundiais,
nomeadamente na Universidade do Minho, onde o serviço do Professor Rui Reis tem
feito trabalhos excelentes nesta área da engenharia de tecidos.
Em termos de transplante meniscal, apesar dos estudos com células implantadas em matrizes de colagénio, atualmente os melhores resultados ainda têm sido obtidos pelo enxerto de cadáver, que permitem um resultado bom a excelente na casa dos 70% dos casos.
Pode ler aqui a primeira parte desta entrevista.
Licenciado em Medicina pela Universidade de Coimbra
Especialista em Ortopedia pelo Hospital de Santo António – Porto
Doutorado pela Universidade do Porto – título da tese “Isometria na
Reconstrução do Ligamento Cruzado Anterior”
Autor de 3 livros e 1 CD-Rom sobre lesões ligamentares do joelho
Investigador da Universidade de Aveiro
Cirurgião da equipa principal de futebol do Futebol Clube do Porto
Coordenador Médico da Gestifute
Ortopedista no Hospital da Trindade
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